A filosofia, por conceito, nos ensina que, antes da afirmação peremptória, o valor está na dúvida. Conduz-nos ao entendimento, portanto, de que a verdade não decorre de escolhas, mas de questionamentos. Trazendo-o para a prática do cotidiano, fui colocado diante dessa proposição filosófica numa mesma semana, ouvindo, por diferentes pessoas, as suas verdades, que a mim se mostraram bastante ilustrativas:
O primeiro depoimento foi de um ex-umbandista declarando ter-se “libertado das trevas” para se tornar um “homem de Deus” ao descobrir a verdade num tempo evangélico. Uma mulher, na sequência, fez uma longa narrativa de como ela e o marido “acordaram para a verdade” ao pedirem afastamento de um templo Mórmon para se tornarem cristãos.
Outro homem relatou, de forma contundente, as pressões exercidas por uma conhecida igreja de alcance mundial sobre seus pastores para, segundo ele, atrair fiéis de modo a arrancar-lhes todos os bens, confessando ter contribuído com isso por mais de 20 anos “de cegueira” – como ex-pastor da denominação religiosa – para esse lucrativo “comércio da fé”.
Enfim, cada um deles tinha uma história de arrependimento sobre um passado recente de “desvio em sua fé para a igreja errada”, até finalmente se recolocar entre “os escolhidos de Deus”. Já o quarto depoente me chamou a atenção por não se dizer egresso de igreja alguma, firmando-se na certeza de não haver nenhum Deus, quer para acolhê-lo ou para puni-lo, já que “o homem é produto de uma evolução natural da espécie”.
Poder-se-ia pensar que este último aparentemente seguia em sentido oposto aos outros três, mas na realidade não é bem assim. Os quatro depoimentos, nas suas diferenças, revelavam um mesmo ponto de convergência: o de se respaldarem em crenças pessoais – a existência ou a inexistência de um Deus – para a defesa de suas teses.
Mas quem detém a verdade, afinal de contas? Uma resposta provavelmente fácil e “precisa” para cada um deles, mas inequivocamente complexa para o observador externo, e por uma razão muito simples: todos se apegam a algo que nunca conseguirão provar por se resumir a uma questão de fé!
Neste ponto, você já deve estar se perguntando: “Ué, mas… de qual lado você fica?” – e eu lhe respondo: fico tão somente com a minha dúvida, por reconhecer nela a posição mais honesta que minha consciência poderia me apresentar. Ela me cobra – do fundo de meu íntimo – resistir à arrogância das falsas certezas de modo a manter mente e coração abertos para uma Verdade que talvez nunca descubra.
Apesar disso ela me põe sereno diante das duas possibilidades, e de qualquer escolha que seja a certa, pois que o Deus de um não me irá punir por me mostrar sincero na minha dúvida – o que não seria próprio de um Deus – e o “não-Deus” do outro não o fará simplesmente por inexistir esse “poder supremo” que deveria fazê-lo.
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Na pele, então, desse observador externo, só me resta dizer: alternar entre crenças na busca pela verdade, ou acreditar que não há um Deus em qualquer delas, é apenas como trocar de mão para fazer o mesmo. Dai que não optar por nenhuma dessas “verdades” não muda a única verdade que se esconde em algum lugar, e que continuará lá, independente do que acreditemos ou da forma que lhe dermos, cabendo-nos apenas a observar como a uma estrela entre bilhões de outras no céu.
Que bom que esteja lá, e que seu brilho nos indique o caminho na escuridão noturna sem nos esquecermos de que, em nossa pequenez, de grande só teremos a soberba enquanto nos sentirmos donos dela!