Três coisinhas pequenas que aconteceram me levaram a pensar na gamificação da existência. A primeira delas… Espere. Antes disso, talvez seja necessário explicar o neologismo “gamificação”.
Sua origem vem da palavra inglesa “game” e, assim como seu sinônimo mais erudito, ludificação, gamificação significa apropriar-se de técnicas usadas no design de jogos eletrônicos para enriquecer contextos diversos normalmente não relacionados a jogos.
Voltando às coisinhas inspiradoras… A primeira das mínimas coisas que me levaram a pensar nesta gamificação foi devido a um curso que coordeno: Pós-Graduação em Artes-Manuais para Educação. Toda vez que salvava um arquivo no computador, abreviava e escrevia: POSGAME. Não sei por que eu achava engraçado e pensava: Schiller ia gostar. Numa referência ao filósofo alemão que conceituou o impulso lúdico.
A segunda coisinha à toa que me fez pensar na gamificação foi a declaração que uma pessoa fez, ao reclamar de um projeto que não deu certo: “a vida é jogo”. Disse isso, como quem diz: não deu certo, vou de novo, partir para outra, tentar de novo. Falou sem culpa ou sensação de fracasso, apenas administrando a frustração momentânea por não ter “mudado de fase” e se desafiando a conseguir. Estava jogando.
A terceira e última coisa que me fez pensar no assunto e, afinal, resolver escrever essa crônica foi uma palavra que li em um artigo que falava de educação na contemporaneidade. O autor usou o termo ‘gamificação’, sem explicar, dando a entender que todo mundo já o conhecia, eu fiquei boiando e fui pesquisar. E foi assim que acabamos aqui.
Este autor, o economista Edward Castronova, da Universidade de Indiana, Estados Unidos, diz que até o sistema de dar notas e passar de série na escola já é um jogo. Honestamente, tenho dúvidas sobre a legitimidade e eficiência desse jogo meritocrático, para a formação ética do aluno. Também quero chamar atenção para outros modos de existir que podem se configurar em uma vida gamificada e que promovem um jeito de estar no mundo.
A lógica dos videogames é cada vez menos diferente daquela que encontramos no dia a dia. Quanto mais a gamificação se aproxima do trabalho e da educação com a desculpa de divertir, de tornar lúdico, menos permite a liberdade e a criatividade. Por exemplo, no game, o aprendizado é comumente por tentativa e erro, sem manual de instruções ou livros didáticos, como na escola ou gerentes e chefes, como no trabalho, mas há um programador oculto. Nada – absolutamente nada do que se pode fazer no game é inventivo.
Você também pode gostar
Tudo, absolutamente tudo, já foi desenhado previamente, resta ao jogador apenas desenvolver habilidades de destreza, de produtividade. Além disso, o universo gira em torno de cada jogador de modo individual. Pode-se criar times provisórios, mas não há fidelidade garantida, nem solidariedade, o “coletivo” como qualidade é fragilizado.
O “cada um por si” é máxima corriqueira e a competitividade modo de existir. Estou apenas elucubrando sobre a forma, sem levar em consideração o conteúdo dos games que, com certeza, contaminam o ambiente de trabalho e da escola com elementos bem mais distópicos.