Queridas Mamães,
Esta é minha homenagem para todas as mães, que são as que mais amam, mas são também as que mais amadas. Por mais que um filho pareça ingrato, cada um carrega em si suas histórias e as mães sempre estão nelas. Homenageio todas as mamães, em especial a minha que faz o impossível para ver todas as filhas e netos bem. Sabe por quê? Porque mães são assim. Dão luz aos filhos e, por eles e pelos netos, dão a própria vida, sempre.
A história abaixo é real, como todos os meus contos e livros. O que faço é alterar nomes, ficciono um pouco, intenção não é identificar as personagens, pois são reais e respeito muito suas histórias. Uso apenas da minha experiência pessoal e de casos que acompanho, para poder beneficiar outras pessoas de alguma forma. O conto abaixo faz parte do meu livro “Mãe é Mãe – Contos e Crônicas”, que escrevi e doei inteiramente à Creche Especial Maria Claro de Sorocaba. Se quiser colaborar e adquirir o livro autografado, com histórias que aquecem os corações de quem as lê, entre em nosso site e solicite um livro autografado, que o mesmo lhe será entregue com o maior carinho.
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BENDITA INFERTILIDADE – Deus sabe o que faz
(História contada pela filha Clara, baseado em fatos reais)
Eu já havia tocado a campainha lá de casa umas três vezes, mas mamãe não atendia. Era uma noite fria de inverno e eu ficava imaginando o que é que ela estava fazendo pra demorar tanto para abrir aquela porta. Já devia ser perto das 20 horas, tínhamos tomado um belo banho de chuva e estávamos morrendo de fome, mas a mamãe não abria a porta. Será que ela tinha saído de novo? Talvez ela tivesse ido ao médico para fazer mais um daqueles exames. Tudo bem se ela tivesse ido, afinal, ela já havia passado por tantas tristezas na vida que não seria eu, ali, diante daquela porta, que iria criticá-la. Ela realmente andava desesperada…
Mamãe não podia ter filhos. Tinha sofrido vários abortos espontâneos. Que eu me lembre foram quatro. Ela não conseguia segurar um bebê na sua barriga.
Eles tinham feito vários exames, papai e mamãe, mas os médicos não encontraram nenhum motivo grave que justificasse todos aqueles abortos. Tudo bem que ela era uma mulher de corpo frágil, pesava apenas 39 kg e media 1, 45 de altura, mas outras mulheres pequenas conseguiam engravidar.
Mas a mamãe não.
Mamãe vivia na internet, pesquisando todas as soluções possíveis para a infertilidade. Um dia ela leu alguma coisa sobre incompatibilidade de genes do casal. Segundo o que ela leu em um site, às vezes esse problema não aparece nos exames. Isso fazia sentido diante dos casos das pessoas que estavam discutindo isso ali, naquele fórum, daquele site. Uma mulher teve dois filhos do primeiro casamento e depois se casou com o atual marido, que também já havia tido um filho com sua primeira mulher. No entanto, eles já estavam casados há seis anos e ela não engravidava de jeito nenhum.
Assim, como a mamãe.
De tanto mamãe pedir ao papai, ele acabou concordando com uma inseminação artificial, com um sêmen de outro homem, um doador. Mas nem esse bebê mamãe conseguiu segurar.
– Sou eu o problema, Roger.– ela dizia aos prantos quando abortou pela quarta vez.
– Calma Dani! – ah…, o nome dela, da minha mãe, é Daniela – Deus sabe o que faz e talvez tenha que ser assim.
– Meu útero é estragado, Roger. Você não imagina como me sinto em não poder ser MÃE.
Mamãe tinha medo que papai largasse dela por ela não conseguir lhe dar um filho. Mas ela estava enganada, papai jamais faria isso. Apesar dele também querer um filho, esse desejo era muito maior nela do que nele.
Um dia ela desistiu. Não de ter um filho.
Desistiu de viver!
Não atendia mais o telefone, nem a porta e não saía daquela cama por nada. Nada mesmo!
Já havia passado dois meses do último aborto quando mamãe resolveu levantar. Meu pai tinha viajado a trabalho naquela semana e ela estava sozinha, mais deprimida que nunca, quando ela bateu.
A fome.
Na verdade, mamãe não comia mais espontaneamente, mas papai a obrigava carinhosamente a se alimentar. Todas as manhãs ele levava um copo de leite e um pãozinho, quentinhos para ela, antes de ir trabalhar. Ela passava o resto do dia sem comer nada, até a noite, quando ele chegava sempre trazendo algo para ela. Um dia era um lanche, no outro pedia uma pizza e assim ela estava vivendo naqueles dois últimos meses.
Na verdade, a mamãe estava vegetando.
Naquela semana, quando papai viajou a trabalho, ela chegou a ficar 3 dias sem comer, até que, “Graças a Deus”, ela resolveu levantar.
Ela estava com fome, ia alimentar-se. Mas no caminho ficou parada na frente daquele quartinho. Era um lindo quarto, todo mobiliado e decorado, esperando o bebê chegar.
Mas ele não chegava.
Ela ficou mais de uma hora ali, olhando e chorando.
Ao invés de descer as escadas e ir para a cozinha comer, mamãe teve outra ideia.
Uma péssima ideia!
Ela ia descer sim, mas com outra finalidade, ia tomar os calmantes que papai deixava em cima da geladeira. Mamãe estava decidida. Ela tomaria o vidro todo e acabaria logo com aquele sentimento, ou melhor, com a falta daquele sentimento.
O sentimento de felicidade de ser MÃE.
Mamãe estava muito, mas muito fraca mesmo! Apoiou-se no corrimão da escada e deu o primeiro passo.
O primeiro passo rumo à morte.
Em sua cabeça passavam mil coisas: deixar papai livre para encontrar uma mulher de verdade, que lhe desse um filho; em como ele reagiria quando a encontrasse morta, bem ali, no chão da cozinha, ou seria melhor em outro lugar? Pensava qual seria o melhor lugar para papai encontrá-la morta. Veja quanta besteira passou na cabeça dela, da minha mãe. A Daniela.
Ela não queria chocar papai, na verdade ela queria mesmo que ele fosse feliz. Que boba! Papai era muito feliz ao lado dela, mesmo naquela época, antes deles terem filhos, eu e meu irmão.
Mamãe já devia estar na metade da escada quando a campainha tocou.
– Mais essa agora – falou mamãe, sozinha, bem ali, no meio da escada da nossa sala. A campainha lá em casa vivia tocando, afinal, mamãe não era sozinha na vida. Ela tinha irmãs, a vovó o vovô e muitas amigas que se preocupavam com ela.
Mas ela, a minha mãe Daniela, nunca mais tinha atendido a campainha lá de casa. Naquele momento ela teve um surto de esperanças e lembrou-se de uma última opção.
– E se eu alugasse uma barriga? O Roger já se sujeitou a aceitar um filho com o sêmem de outro homem, por que eu não aceitaria que outra mulher gerasse um filho para mim? – Mamãe não estava pensando, ela estava falando sozinha mesmo, bem ali, quase no fim da escada, apoiando-se no corrimão.
A campainha tocou de novo.
– Será que a legislação permitia uma barriga de aluguel, igual naquela novela? O Roger deve saber disso – ela continuava falando alto. Mamãe já não tava muito bem da cabeça, mesmo sem tomar os remédios que ela queria – Será que se pagássemos uma barriga de aluguel não teríamos problemas com a justiça? Seria meu filho do mesmo jeito, o que me importa é ser MÃE e não gerar uma criança. Ai Deus… por que isso, por que comigo? O Roger não vai aprovar essa ideia e essa será a deixa para ele me largar, tenho certeza! O melhor que tenho a fazer é acabar logo com esse sofrimento mesmo, sofrimento meu e dele.
Ela já estava no último degrau quando olhou para cima e blasfemou, pela última vez.
– Porque me abandonou? – ela perguntava a Deus, ao descer aquele último degrau.
A campainha tocou pela terceira vez, mas dessa vez tocou muito alto. Muito mesmo!
Foi o que fez mamãe parar de surtar daquele jeito e voltar um pouquinho para a realidade.
Ela não ia abrir a porta, afinal, quem havia de estar ali aquela hora? Mas ouviu um murmúrio do outro lado:
– Acho que não tem ninguém, mesmo. É melhor a gente ir embora.
– Mas tá chovendo. E eu tô com fome.
– Eu também tô, André. É por isso que vamos sair logo daqui. Vamos procurar comida em outro lugar.
Ao ouvir aquilo, mamãe sentiu um impulso e finalmente abriu aquela dita porta.
– Moça, eu sei que já é tarde…, mas eu e meu irmão estamos com muita fome… – Eram duas crianças totalmente molhadas pela chuva daquela noite fria de inverno.
Mamãe abriu um sorriso como jamais me lembro de ter visto antes, olhou para o céu, da mesma forma que fez antes de atender a campainha, e disse duas palavras que na hora não entendemos:
– Perdão e obrigada.
Ela conta que mesmo antes de saber da nossa história, se éramos órfãos ou não, ela simplesmente já sabia. Ela tinha certeza que aquilo era obra de Deus. Mamãe jura que é a mulher mais feliz do mundo. Ela acredita que sofreu tudo aquilo para estar preparada para nos receber bem ali, na nossa casa, quando tocássemos aquela campainha.
Papai cuidou de toda a papelada. Teve um dia que ligaram lá em casa dizendo que tinham encontrado nossa verdadeira mãe, mas logo viram que foi só um engano.
Aqueles bobos!
Claro que foi um engano, nós já havíamos encontrado ela, nossa verdadeira mãe. A Daniela.
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*Daniela e Roger demoraram 4 anos para legalizar a adoção das crianças. Tendo suas vidas investigadas, sendo vigiados e outras dificuldades que passaram durante toda aquela burocracia. Por ser advogado, Roger conseguiu a guarda provisória das crianças durante o processo, mas ele diz que se fosse um leigo, essas crianças teriam ficado anos num orfanato, até que a papelada saísse. Atualmente, André está cursando o último ano de medicina e sua irmã Clara, se tornou advogada, como o pai. Há três anos, os irmãos fundaram uma associação que visa agilizar o processo de adoção de crianças carentes no Brasil.
“Se eu tenho algo a dizer? Claro que tenho! Nunca deixem de atender a campainha, pelo amor de Deus! Do outro lado pode estar uma pessoa que salvará a sua vida, e você a vida dela, também. Assim como aconteceu conosco, eu e meu irmão e ela, minha mãe Daniela. Bendita infertilidade, Deus sabe o que faz.”
Super beijo a todas as mãe!
(Conto extraído do livro “Mãe é Mãe- Contos e Crônicas” de Raquel Koury)