Buda costumava dizer que para compreender tudo, é preciso perdoar tudo. Ora, como podemos interpretar isso? Qual seria a relação entre compreensão e perdão?
Simples, o envolvimento emocional com qualquer fato nos impede de termos uma verdadeira compreensão, pois iremos problematizar o evento. Enquanto não aplicarmos a nossa capacidade de tratar os fatos, as pessoas ou, até mesmo, as coisas de forma natural, sem julgamentos, sem preconceitos e sem nos afetarmos, estaremos distantes da verdadeira compreensão. Compreender é, portanto, entender de forma profunda, integral, sistêmica, de maneira que todo o contexto se transforme em meras informações e não seja tratado de forma problemática.
O perdão, na realidade, é apenas uma ferramenta útil que existe para ser usada diante de uma condição de desequilíbrio, no entanto, se não houve desequilíbrio, ele será desnecessário. Ninguém precisa perdoar se não se ofendeu, o que está em jogo, portanto, são: a resiliência, a equanimidade e outras características que nos tornam indiferentes diante de um evento. O que está em jogo é não se ofender, só isso. Talvez a tradução da máxima budista não seja favorável, talvez o perdão tenha outro sentido na frase original, como ‘não se abalar’, ‘não se afetar’, etc.
Nas tradições bramânicas existem algumas leis que precisam ser observadas e que poderiam ser úteis para aprimorarmos a nossa capacidade de compreensão. Na verdade, essas leis servirão como ferramentas para desenvolvermos novas ideias a respeito da vida. As ideias que, uma vez alinhadas, transformam-se em crenças, que por sua vez, transformam-se em convicções e resultam em condicionamentos que irão definir um novo caráter. Eis as leis:
Lei nº 1: A pessoa que chega é a pessoa certa
Essa primeira lei nos ensina que todas as pessoas com as quais convivemos, que interagem conosco, que cruzam os nossos caminhos trazendo alegrias ou tristezas, são as pessoas certas, que surgem para nos trazerem algum tipo de ensinamento. Não existem casualidades. Muitas vezes negamos, reagimos de forma negativa diante daqueles que não se afinam conosco, mas o que está em jogo é perceber as nossas vulnerabilidades, conhecer os elementos que estão nos desestabilizando, por que, se fôssemos pessoas realizadas, não haveria razões para qualquer descontrole. Quando aplicarmos esse princípio como verdade suprema em nosso relacionamento com o outro, teremos um elemento eficaz no desenvolvimento da nossa aceitação e, principalmente, para nos mantermos resignados.
Lei nº 2: O que aconteceu é a única coisa que poderia ter acontecido
Essa lei sepulta o vitimismo, pois diante dela não existem injustiças, nem falta de misericórdia divina, tudo que incide sobre cada espécie da criação tem um objetivo voltado para o bem. Só acontece o que precisa acontecer, portanto, não adianta bradar contra Deus e o Universo. Consciente desse mecanismo da natureza, o sujeito consegue compreender melhor.
Lei nº3: Qualquer coisa começa no momento certo
Essa lei dá um verdadeiro tiro de misericórdia na ansiedade, pois se for observada, trará um conforto que só a confiança no Universo poderia trazer. Quantas vezes não nos preocupamos com o futuro, de forma infantil, tentando ter controle sobre algo absolutamente imponderável? Quantas vezes ficamos apreensivos, sofrendo por antecipação, cheios de expectativa por mudanças ou realizações e nos esquecemos de olhar para a realidade que existe, apenas, no presente? Se a nossa visão não sofresse a contaminação intensa do passado ou do futuro, se pudéssemos surfar na onda cósmica do presente, sem nos perdermos em urdiduras de ilusões, nossa capacidade de compreensão também seria muito maior.
Lei nº4: Quando algo termina, termina!
Entender a importância do desapego também será decisivo para o desenvolvimento da nossa capacidade de compreender. Nas tradições hindus, existe o momento da criação, da conservação e da destruição para tudo. Esses fenômenos são representados pelas figuras antropomórficas dos principais deuses do panteão hindu: Brahma, Vishnu e Shiva. Quantas vezes não persistimos em darmos importância desnecessária às coisas, justamente por não conseguirmos nos desapegar? A mudança oxigena, higieniza e renova a consciência, qualquer interpretação ou processamento de um evento presente, contaminado com crenças ultrapassadas, resultará em uma distorção.
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Não podemos continuar dirigindo o nosso carro olhando pelo retrovisor. Para entrarmos em harmonia com o Universo, teremos que estar em movimento. Não podemos viver ancorados, acreditando em tradições, em livros sagrados, em discursos ultrapassados, tudo o que a gente precisa fazer é movimentar-se. Não é possível manter-se equilibrado em uma bicicleta sem pedalar.