Seja por uma taça de vinho ou por um acolchoado antigo. Por uma roupa quente ou por um café morno. Às vezes, pois, acalenta-se pelo sorriso emprestado em dias difíceis, ou pelo olhar que acaricia o peito pela pretensão de cuidar. De observar o que poucos têm se atentado. Sou também a necessidade da cama que só a retina pode oferecer, a fazer do breu qualquer coisa semelhante a lar. À brisa, nem que seja passageira, que leva consigo as ameaças de sossego de uma paz que quase nunca dura. Dos abraços que, independente do tempo que duram, são sempre rápidos demais.
No enlace de quem me permite chegar e de quem permito que se chegue, amanheço com a sensação de inserção. De resgate sobre uma nostalgia perdida, de uma infância mal encaixada se analisada sob lacunas despretensiosas, mas necessárias. Calmas, mas prestes a eclodir. No seio primeiro da intimidade, inauguramos a lembrança de ter, um dia, romantizado as predileções do destino, crendo ser ele o senhor dos passos. O mentor das constelações do céu e do coração. Ao corpo, apenas a tarefa instrumental de cumprimento. Vamos, pois, muito além disso.
Nessas noites frias de inverno, entardeço, ao lado de uma ou cinco taças de vinho, cambaleando pelas vielas dos meus próprios pretextos. Dando corpo a fraquezas que sei serem inerentes a um processo de eliminação da insegurança. No brado, a força de quem está sempre decidida a mudar. No íntimo, a sutileza e a timidez de uma criança que acabou de se dar conta sobre o mundo no entorno. A fase fálica sequenciada pelas tabelas da beleza genuína. Uma psicanálise capaz de enrustir as supremacias de uma covardia que só faz querer ir adiante. O tempo circular de uma imagem que já não é mais tradicional, mas técnica e opressiva. Progressista e insólita.
No corredor do despreparo, pois, é onde guardam-se as recordações perdidas do potencial. A capacidade dialógica capaz de manter a construção do novo, também do dependente do discurso como forma de se eternizar. Nessa profusão de tecnologias de vida, vez que outra me perco em momentos vagos de serenidade. Instantes apreciadores de cânticos esquecidos, de vozes coloridas. É quando, então, a sinestesia da sensibilidade torna eloquência a mudez das barreiras que aprisionam a criatividade. Os muros que distanciam o olhar do toque. Dentro das taças, a liberdade de ir e vir pelos pensamentos e sensações. Sou tato em cada gole.
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Pela robustez do ato, transfiguro qualquer alerta de tradução do vulnerável à extinção. Do camuflado prestes a ser confundido com o nada. Embora pertencentes à irrealidade racional que crê ser real dentro de sua irracionalidade, podemos ser justamente o desvelamento. O desbotado. O tumultuado e rechaçado. No panorama grotesco das preferências, enquadra-se no errado aquele que é ciente de que a razão é consequência da imaginação, e não o contrário. No princípio, a fantasia, o amor. Por fim, o dedo pensante para extraviar o belo. O medo da provável felicidade, perigosa a ponto de liquidar com a audácia do extraordinário. Para a riqueza, o excesso. Para o bem-estar, apenas o necessário, aquilo que em um ou dois sorrisos conseguimos carregar conosco durante a caminhada.