Convivendo

Meu pai herói!

Happy father holding newborn baby in his arms.
Escrito por Zil Camargo

Meu avô paterno Joaquim Pereira, falecido em 1995, foi, segundo contam, um péssimo marido e pai ausente para cada um dos seus quatro filhos. No entanto, foi o melhor avô do mundo para mim. As lembranças que tenho dele são de um tempo em que minha avó, cansada do sofrimento, já havia resolvido a questão com o divórcio, e os filhos estavam todos criados, portanto não conheci o Joaquim marido nem pai. Sobrou o avô.

Ele morava conosco numa casa típica do interior e, quando eu ouvia os ruídos dos morcegos, era para o colo dele que eu corria.

Ao lado de nossa casa havia um pasto com uma árvore bem no meio e nela morava uma coruja. Meu avô aproveitava esse cenário e colocava a imaginação para funcionar, desfiando de seu inesgotável novelo de contos as mais diversas teorias sobre a coruja, a árvore e os morcegos, afastando de mim todo o medo que eu sentia. Caminhava comigo nos ombros e pedia que eu cumprimentasse cada pessoa que passava por nós.

— Fala tarde pro moço, fia!
— Tarde, moço.

E assim seguíamos aquele início de infância.

Ao completar seis anos, nos mudamos para São Paulo, e o convívio com meu avô rareou, limitando-se aos passeios de férias. Mas ele escrevia cartas e cartas me contando a continuação das histórias sobre a coruja e os morcegos.

Nas cartas, dizia para minha mãe que “as crianças são nosso maior tesouro”.

Seria resultado de uma sabedoria tardia?

Aproximadamente dois anos depois disso, meus pais se separaram. Eu fiquei cinco anos sem ter notícias do meu pai. Quando retomamos o contato, infelizmente, o alcoolismo havia tomado um lugar de importância em sua história — e na nossa. Tentei me manter ao lado dele dentro das possibilidades que a vida permitiu, não sei se foi suficiente…

Assim como aconteceu com meu avô, meu contato com meu pai também rareou. Somente vez ou outra ele nos via e eu sempre tinha a sensação de que ele estava desconsertado. Então, ficávamos invariavelmente quietos e de mãos dadas e, nesta época, as férias passaram a ser na casa de minha tia Sônia e meu tio Márcio.

Foi ele, meu tio Márcio, que me ensinou as primeiras palavras em inglês (talvez ele não se lembre nem saiba disso). Ele dançou comigo a valsa dos meus 15 anos (talvez se lembre, mas não mensura a importância disso). Foi ele quem me deu conselhos, que acompanhou minha adolescência doando seu amor paternal e me viu virar uma mulher.

Lembrando do que se passou até que essa mulher surgisse, penso nesses pais: no meu avô querido, que foi avô porque provavelmente era melhor nisso do que ser pai; no meu tio favorito, que foi meu pai sem reservas; e no meu pai que, em 2003, me deu a alegria e o orgulho de vê-lo depois de um longo tratamento — apoiado pelos meus tios Márcio e Sônia — se recuperar e reviver.

Minha história não deve ser muito diferente da de muita gente com experiências melhores ou piores que a minha, sob vários aspectos.

O fato é que a figura paterna, seja por uma questão cultural ou afetiva — aposto mais na segunda —, sempre será uma figura heroica.

Um pai presente e amoroso marcará a vida de seus filhos, assim como os pais com problemas também o farão, ainda que nem sempre de forma positiva.

De qualquer forma, penso que o que aprendemos com as lições desse convívio é que o olhar que dedicamos a essas lições é que darão o tom desse “heroísmo”.

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Penso isso por todos os tipos de pais: os que adotam e os que são adotados; os ausentes e os presentes; os corajosos e os covardes; os carinhosos e os violentos; os ocultos e os cientes; os amados e os odiados; nos que estão aqui e nos que já se foram.

Penso neles porque, estejamos fatigados ou com saudade, seja pelo amor ou pela dor, por sentirmos rancor ou orgulho, por algo que fizeram ou deixaram de fazer, ninguém passa pela vida sem pensar no seu pai.

Sobre o autor

Zil Camargo

Na diversidade de cada ser, é injusto com a vida, neste mar de experiência que ela concede, tentar nos definir assim, com meras palavras.

Mas dentro de mim mora alguém inspirada, sensível, às vezes curta ou grossa, ora dramática, ora objetiva.

Mãe, artesã, escritora amadora; consultora para ganhar a vida e interessada no comportamento humano.

Estudiosa de assuntos relacionados à psicanálise, filosofia e espiritualidade; uma aprendiz procurando desenvolver oportunidades em busca do bem viver.

Contato: zilcamargo@hotmail.com