Ainda dá tempo de não deixar o tempo ser o senhor de sua razão.
Wal Reis
Há algum tempo não sei mais quem é a pessoa que olha para mim de dentro do espelho. Parece familiar, já vi uma mulher assim numa foto amarelada na cabeceira do meu pai, mas não reconheço esses olhos tristes, que parecem estar a um passo da falta de expectativas. Não reconheço o cabelo sem brilho, a testa com marcas, os vincos na face. Não reconheço esse rosto que mais chora do que ri.
Tampouco vejo como meu esse corpo que cresce em locais inapropriados, que dói em pontos que nunca doeram, que pede mais descanso do que eu gostaria de lhe dar.
Parecem sinais evidentes demais de uma vida que não foi assim tão evidente.
Da mesma forma, não sei de quem é essa voz com timbre amargo. Que lamenta mais do que agradece. Que não faz mais piada, faz humor negro. Carrega na ironia. Fala muitas vezes para ferir quem mais ama, porque ferindo sente como se punisse o mundo por tudo que gostaria de ser, mas não foi.
Também estranho esses pensamentos sombrios de quem sempre espera o pior. Onde ficou a capacidade de contar histórias? O que foi feito das palavras sábias, da conversa fácil, da argumentação convincente que arrancava elogios?
Meu armário está repleto de roupas de outra pessoa, que eu mantenho lá porque ainda tenho esperanças que ela volte dessa viagem, que entre pelo apartamento queimada de sol, rindo fácil, abrindo a geladeira e comendo de tudo sem culpa e sem consequências. Depois, escolha um vestido aleatório, se vista aleatoriamente enquanto dança uma música aleatória que só ela ouve.
Existe uma sensação muito comum aos sonhos: você sabe que deve chegar a algum lugar com urgência, mas os movimentos oníricos são lentos, descompassados e angustiam porque não geram ação efetiva. Essa angústia vem acompanhada de alívio quando acordamos e tomamos consciência que o ritmo da vida real é outro, no qual você está efetivamente no comando. Difícil é quando essa sensação se apodera da realidade.
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Não é correto que o ônus da existência, do passar do tempo, chegue antes do bônus de ser autor da própria história. Por isso, nunca se esquive da caneta. Escreva. Trace suas próprias linhas, mesmo que mal traçadas. Ainda assim elas serão suas.
A amargura de sonhos frustrados, de felicidade que não durou para sempre é carga pesada demais para ser arrastada pela vida, mas pode ser processada por uma alma resiliente. Perdoe os outros e perdoe o tempo por não terem sido plateia e palco. Mas, acima de tudo, perdoe a você mesmo por não ter sido o protagonista à altura de suas expectativas.