Autoconhecimento

A infância é um espelho do que somos

Escrito por Elô Ribeiro

Como educadora, noto que todos os pais sonham com um futuro brilhante para seus filhos. Eles são como anjos da guarda, sempre almejam o melhor e isso é maravilhoso! Mas como filha, percebi muitas vezes que todas essas expectativas poderiam fazer muito mal conforme o desenvolvimento de cada irmão.

Quando criança, costumava ter um bom desempenho na escola e meu irmão mais velho, não. E daí as comparações, eles achavam que me colocando como exemplo poderiam incentivá-lo, mas era o contrário: meu irmão me odiava e até hoje não somos próximos.

Outra observação importante é que, muitas vezes, os pais se preocupam em demasia com o filho que consideram inconscientemente o “mais fraco”, palavras de uma amiga minha que já é avó. Verdade seja dita! E bem, eles negligenciam a criação do filho menos problemático, mas se esquecem também que esse filho precisará muito do apoio deles.

Essa situação acontecia na casa da minha melhor amiga de infância. Ela era a filha mais velha e a mais responsável também. Isso era bastante complicado, porque no final das contas, os pais dela sempre se preocupavam com a mais nova, que era a filha rebelde.

E se for filho único? Mais complicado ainda! Não porque os pais mimem muito, pelo contrário, conheço casos que os pais foram bastante exigentes com esse(a) filho(a). Sobrecarregavam-lhe de tarefas, queriam que sua prole lhe desse muitos netos. Resultado: o filho, aos dezoito, foi aprovado numa faculdade pública, mudou-se para outro estado, arranjou um trabalho, porque não queria dar satisfação aos pais e foi viver a sua vida. Com o passar do tempo esse filho quase não dava notícias, a mãe quase entrou em depressão e o pai se queixava do filho ausente. Até que, um belo dia, ele resolveu fazer o que todos os amigos o motivavam: “sair do armário”. Se os pais dele aceitaram? Não. Mas o tempo, como sempre, se encarrega de tudo.

Outro exemplo é os pais que investem caro nos estudos de um filho. Tive uma amiga que resolveu ser cabeleireira e foi um Deus nos acuda! Porque sim, ela estudou nas melhores escolas, aprendeu até a falar inglês e até foi a uma viagem de intercâmbio, mas optou por ser uma microempresária e, sinceramente, é uma das melhores profissionais no ramo que conheço. Os pais dela não ficaram muito satisfeitos com essa decisão, mas ela foi corajosa e, no final, eles tiveram que aceitar.

Sabe aquela história: crie filhos para que depois eles cuidem de você na velhice? Sinto dizer, mas há pais que têm muitas vezes 10 filhos e só um cuida, há outros que tem somente dois e os dois resolveram arcar com um asilo e também há pais que têm cinco filhos e os cinco cuidam e se revezam. A questão é que não sabemos o que Deus vai enviar pra gente, por mais que ensinemos valores, cada filho terá a sua personalidade e cada geração o seu modo distinto de pensar.
Todos criticam a geração canguru. Alguns já ouviram falar da síndrome do ninho vazio e seus sintomas, mas poucos demonstram interesse sobre a teoria da “mãe jacaré”, pois é, ela existe e Lacan já explicava muito bem isso. O problema é que alguns pais vivem tão em prol de seus filhos que se esquecem de como eram antes da chegada deles e quando os herdeiros resolvem sair de casa… é um verdadeiro drama.

A realidade é que o filho cresce e não será mais dependente tal como quando tinha dois ou quatro anos de idade. Um dia ele irá embora de casa, porque também precisa viver a sua vida. Não que te esquecerá, pelo contrário, há filhos que ligam todos os dias, têm outros que visitam os pais nos fins de semana e, infelizmente, há aqueles que se esquecem até da data do aniversário da mãe, porque estavam muito ocupados e acham que levando um presente caro (ainda que atrasado) compensará o transtorno causado. Bem, alguns filhos realmente não fazem por mal, contudo, eles não têm a obrigação de viver toda a vida deles em função dos pais e vice-versa.

Há casos de filhas que herdam os mesmos hábitos da mãe, sem querer se veem frustradas, porque não realizaram o sonho do casamento, ou da maternidade, ou até o profissional, e quando os pais controladores partem, se dão conta que já na casa dos “enta” terão de lidar com a solidão. O filme “Hi, my name is Doris”, estrelado pela atriz Sally Field, mostra bem o que é isso. Ele conta a história de uma filha acumuladora de objetos, que optou por cuidar da mãe e não fez o mesmo que o irmão mais novo, que foi viver a vida dele. Ela percebe que parou no tempo, mas que o tempo não parou para ela.

A personagem é um tanto tragicômica, uma mulher de 60 que se apaixona por um rapaz de 30 e se comporta como uma menina de 13, simplesmente porque não se permitiu vivenciar essas fases da vida. Graças à mãe superprotetora e controladora que ela tinha, não fez uma família e nem vivenciou seus sonhos de juventude.

O pensamento da mãe jacaré devoradora vem impregnado de ciúmes e chantagens emocionais. Ela acha que tem autonomia para se meter na criação dos netos, e quando esse(a) filho(a) decide finalmente ter outra vida, essa avó sem noção e mãe egoísta continua com o mesmo raciocínio: “Meu filho e meu neto precisam de mim e eles um dia vão cuidar de mim também” ou com seu demasiado zelo: “Não importa a idade do meu filho, ele será sempre o meu bebezinho”. Tome muito cuidado, porque você pode arruinar a vida conjugal de seu filho/sua filha, infernizando o seu genro/sua nora — saiba que eles não são obrigados a te aturar e tudo tem um limite.

Há também outro caso comum: o pai controlador que acha que os filhos precisam morar próximos dele, que se mete, sim! Vive na casa do(a) filho(a), mesmo sem ser convidado, intervém nas decisões do casal… desculpe, mas a partir do momento que seus filhos se casam, sinto dizer, mas você passa a ter um papel secundário e se quer ser um bom sogro, nunca opine em nada, a não ser que seja consultado antes pela nora ou o genro.

Mas a culpa não é somente dos pais, os filhos também contribuem para isso. Há até alguns casos de filhos que estão muito cômodos em não saírem de casa, porque na fase adulta, com pais liberais, basta avisar que vão passar a noite fora que está tudo bem. Eles têm a liberdade de ir e vir na hora que bem entenderem e tudo isso acarreta o aumento da geração canguru.
O filho adulto, que até é bem empregado e tem seu próprio carro do ano, evita certas responsabilidades financeiras e até afetivas. Alguns, já na casa dos 30, acham que morar na casa de seus progenitores é a melhor opção, pois evitam pagar empregada, despesas domésticas, impostos, etc.

Mas a culpa não é somente dos pais, os filhos também contribuem para isso.

É evidente que há filhos que não são tão aproveitadores assim, até ajudam nos gastos e auxiliam nas tarefas domésticas. Detalhe: alguns usam o argumento que só irão sair de casa se for para casar com alguém que valha a pena. O problema do perfeccionismo transmitido pelos pais (“Ninguém nunca é a sua altura”) acaba influindo na hora da escolha e a situação se agrava mais ainda, porque o(a) namorado(a) que arranjam é da mesma geração e, por sua vez, será exigente e não tolerará certas dificuldades de convivência, que todo casal passa no início.

Cada pessoa é criada de uma forma distinta e ao conviver com a outra terá de aceitar essas diferenças e também a família alheia. Você não pode anular os seus parentes, assim como os do(a) sicrano(a) — por mais que você quisesse, pense nisso.

Outras pessoas já explicam que pretendem investir mais em seus estudos e carreira e que não pensam em construir uma família. Há também aqueles que cogitam sair de casa, mas ainda acham que financeiramente não existem muitos benefícios para se arriscarem em tempos de crise e preferem gastar com viagens mesmo.

Há muitos que levam uma vida incorrigivelmente boêmia, acham que seus pais são seu porto seguro e que vão viver pra sempre, e há poucos que pensam sair de casa, mas por alguma razão não criam a coragem necessária, entre outros motivos, e deixam para um futuro próximo (nem tão breve assim). É a geração que vive mais da teoria que da prática, que sofre por precipitação.

“E os móveis me custarão uma fortuna! E o apartamento, como será para financiar? E se eu casar e não der certo? Quanto me sairá um divórcio? E o cachorro, com quem fica? Terei que dividir tudo com ele(a)? E o que gastei de tempo e dinheiro nessa relação? E se a gente tiver filhos? Nossa! São muitos gastos e sofrimento desnecessário!”

É a geração que vive mais da teoria que da prática, que sofre por precipitação.

Temem envolver-se com alguém, temem se machucar e acham que “não são obrigados a nada” e, na verdade, não são mesmo. Alguns até saem de casa quando se sentem desafiados pelos pais ou por terceiros. Entretanto, esses filhos não têm culpa de sofrerem assim. Tampouco vou julgar os pais que achavam que sendo mais amigos, mais liberais, mais protetores e menos rigorosos estariam ajudando. E realmente ajudaram, porque os filhos são muito mais maduros do que eles com a mesma idade, eles viajam mais, têm tempo de estudar e terem melhores oportunidades no mercado de trabalho, porque são solteiros e possuem disponibilidade total.

Sem esquecer-se daqueles que presenteiam os pais com um cruzeiro, um carro ou até uma casa, mas que vivem trabalhando, estão ausentes e quando estão em família raramente se interagem, porque não possuem uma vida social a não ser o seu emprego. Sem querer, eles não desfrutam do que ganham, viraram workaholics, vivem fazendo terapias, são depressivos, viciados em internet ou até em drogas farmacêuticas. Eles não vivem como pessoas de sua idade, lhes faltam energia, otimismo. Possuem ideias e vários ideais, porém, não saem do papel: “Quando eu tiver tempo, farei “natação”, “Quando eu puder, vou reservar aquele restaurante bem bacana perto do trabalho”, “Quando eu quiser, saio pra balada com meus amigos, mas agora não, porque eu estou muito cansado”.

Há também o caso do filho boêmio, que na velhice ficou sozinho e entende que precisa tomar um rumo na vida, porque não tem mais os pais dele para estar em casa, preocupados a sua espera. Ele entende que não pode comparar a vida dele com as dos demais, os amigos da mesma idade já não frequentam mais os mesmos lugares que ele, levam uma vida totalmente distinta.

Antes, os jovens queriam sair logo de casa, porque seus pais eram demasiados severos, ou porque não tinham o seu próprio quarto e privacidade e precisavam dividir com seus outros cinco ou mais irmãos o pouco conforto que tinham, ou queriam se livrar de responsabilidades como cuidar dos irmãos mais novos ou ajudar com o pouco que ganhavam com as despesas do lar, além das tarefas domésticas das quais eram obrigados a fazer, etc.

Os pais dos anos 70 se preocupavam com uma boa educação e não ligavam se não fossem tão amigos de seus filhos, porque eles sabiam muito bem o papel deles. Quer dizer que não posso ter amizade com meu filho? Claro que sim, mas alguns especialistas como o psicólogo argentino, Bernardo Stamateas, comenta isso no livro “Paixões Tóxicas” — ele recomenda não confundir os papéis e creio que tem toda a razão.

Hoje em dia, temos mais coisas materiais do que tiveram os nossos pais em nossa idade, geralmente somos filhos únicos ou temos menos irmãos, as famílias não são tão numerosas como antes por uma questão monetária de bom senso, os filhos geralmente têm os seus próprios quartos, comida pronta, TV a cabo e internet, roupa lavada e passada e menos obrigações.

Essa geração dos anos 60 e 70 só queria a liberdade, não ter que seguir regras, voltar tarde para casa, não ser obrigado a nada, etc. Algumas pessoas até se casavam naquela época, com essa ilusão de se sentirem livres, quando na verdade um casamento poderia ser também outra prisão pra quem se casava somente com esse objetivo.

E mesmo com tantos contraceptivos, havia muitos pais jovens, que abriram mão de muitos sonhos profissionais por causa de sua prole e essa frustração gerou o seguinte pensamento em alguns pais: “Se forme primeiro e depois se quiser, se case”. Ou: “se case, mas filho é pra vida inteira, pense bem antes de colocar um no mundo”, etc.

Tanta recomendação proporcionou uma espécie de geração que lê a bula, mas que desiste de tomar a medicação por se impressionar com as contra-indicações, se desespera com as reações alérgicas provocadas. De que adianta tanta instrução?

Bem, onde eu quero chegar é num ponto muito comum: esses jovens dos anos 70 tinham total consciência de que um simples olhar dos pais já dizia tudo, pegavam realmente qualquer oportunidade de trabalho que lhes desse um pouco de grana para dividir um quarto com amigos ou até com conhecidos nos grandes centros urbanos. Na verdade, eles não ligavam para o luxo ou o conforto, até porque dependendo, não tinham na casa de seus pais.

Eles se arriscavam mais e não tinham o medo de quebrar a cara, porque desde cedo seus progenitores lhes deram certas responsabilidades das quais os pais de hoje em dia negligenciam. Não vou levantar a bandeira do “tapinha não dói”, às vezes, as pancadas em excesso traumatizavam alguns filhos, que preferiram criar os seus com certo diálogo.

Conversar é mais recomendável hoje em dia e castigos não físicos também, como ter que estudar no fim de semana e não ir à festa do “fulaninho”. Acredite, esse castigo funciona com muitos adolescentes ainda.
Seja grato(a) se seus filhos cuidarem de você na velhice, entenda que se eles contratarem uma enfermeira é porque querem evitar certo estresse a terceiros. Pode parecer terrível o que eu vou dizer, mas para algumas famílias, um idoso(a) enfermo ou lúcido (mais rabugento) é uma carga muito pesada para um genro ou uma nora e até mesmo para os netos, que já não têm mais paciência e têm as suas vidas e ocupações.

É triste que alguns anciões se sintam realmente assim no seio de sua família e quando viúvos optam ir para um asilo, porque não querem incomodar. No entanto, é mais trágico ainda quando os filhos vendem a casa dele, sem que ele seja consultado e esse mesmo idoso acabe morando de favor na casa de um e de outro parente como se fosse uma bola de tênis, tal como no filme “A guerra dos Rocha”. É desastroso quando há um descaso por parte dos parentes e inadmissível quando essa pessoa é maltratada por quem quer que seja, porque nenhum familiar tem esse direito.

Compreenda que tudo é uma fase, os filhos vêm e vão, por isso, incentive-os a serem pessoas felizes e não inseguras. Motive-os a tentarem sair de casa, mesmo que por vezes, eles errem e se decepcionem, garanto que isso os ajudará a ter uma experiência de vida, que nem ninguém e nem nenhum livro poderia proporcionar.

É duro dizer isso, mas tome conta de sua vida, porque o seu papel você já desempenhou bem. Assim é com a natureza, quando os filhotes saem dos ninhos e aprendem a voar… possibilite asas para que eles voem longe, não as corte. Trate de integrar-se em grupos de aprendizagem que lhe dê prazer, nunca é tarde para aprender, namore muito, viaje, sonhe e auxilie os seus filhos somente quando solicitado, com certeza, seu genro e nora agradecerão.

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No final das contas, só sobram as lembranças, já que os bens materiais ficam e será talvez a principal briga de muitos herdeiros no futuro. Mas você já não estará ali para ver. O final é inevitável, faça a sua travessia com dignidade e não deixe ninguém estagnado com sua partida. No fundo, seus filhos não merecem isso e nem você quer isso para eles.

Saiba que viemos ao mundo sozinhos e dele devemos partir do mesmo jeito. Não crie expectativas para seus filhos, apenas deseje que eles sejam felizes.

Sobre o autor

Elô Ribeiro

Licenciada em letras, especializada em língua espanhola, leciona desde 2004 para jovens, adolescentes e adultos.

Carioca, mora há oito anos na Argentina e trabalha como docente universitária na disciplina de língua portuguesa para estudantes hispano-falantes.

Amante da literatura, adora literatura latino-americana e gosta de escrever em seu tempo livre. Ama viajar e compartilhar experiências sobre culturas distintas e tudo que esteja relacionado ao universo feminino.

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