Não existe silêncio.
Você tira os fones e encontra automaticamente o barulho do trânsito, dos passos, das indústrias, da vida que acontece naquele momento do dia. Você coloca os fones e encontra os seus ruídos internos, o barulho da fome, aquele zumbido que existe desde a infância, o som da respiração, o ranger dos dentes, seus pensamentos intermitentes…talvez escute as batidas do próprio coração.
Não existe o silêncio porque os ruídos nunca param. Mas há o silenciar, que poderia facilmente ser um sinônimo do escutar e, por que não, do viver.
Quando eu silencio, os sons que chegam me acariciam mansinho. Eles passam desfilando pela minha face, me seduzem, me rodeiam. Por fim, penetram meus ouvidos com a doçura que poucas virgens sentiram.
Estes sons escorregam pela minha alma, passeiam pela minha corrente sanguínea. Alguns chegam ao meu coração e lá ficam como se lá já conhecessem, tal qual um brinquedo perdido da infância.
E eu? Permito-me ser transpassada por eles, desapegada. Deixo-os vir, deixo-os ir. É um respiro aliviado, um instante de perfeita presença onde eu sei quem eu sou, sem que isso tenha importância agora.
O silenciar — que poderia ser sinônimo do escutar e provavelmente do viver — nos prova que a vida não pára e está sempre acontecendo, principalmente dentro de nós. Se o silêncio não existe, o “eu silenciado” é diferente do “eu no silêncio”, uma vez que o barulho se inicia em mim.
Não existe o silêncio porque os ruídos nunca param.
Morei, certa vez, no quarto andar. Na cozinha havia uma enorme janela que permitia uma vista bem interessante da rua de trás. Lavar louças me dá insights fabulosos, portanto eu — silenciada e curiosa — adorava lavar as louças chafurdando aquela vista. Você não imagina o que era possível ouvir!
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Assim como os cheiros, a melodia-da-vida-que-acontece-neste-instante nos visita, nos ama e sai, como amantes inesquecíveis que jamais voltarão.