Um dia, andando pelos arredores de um cemitério distante, observando o pôr do sol, vi um homem sentado. Parei para conhecê-lo, e o que seria, talvez, uma chuva rápida para refrescar do calor, tornou-se um riacho manso a retornar uma vez mais, outra vez também…
O homem tinha olhos verdadeiros e a maneira como ele perscrutava o momento fez com que eu não conseguisse mais deixar de vê-lo. O contato tornou-se mais íntimo e o tocar de mãos não era de todo desconhecido. Parecia que era mais um reencontro de uma dileta amizade amarelecida pelo tempo. Os abraços denotavam proteção, e o silêncio, retórica.
Nada foi dito. Nada explicado. Nada cobrado. Nada demonstrado.
Por vários momentos, por muitos mesmo, eu sentia que esse homem, apesar de não se incomodar com a minha presença, preferia ficar só.
No início, eu me contive. Conseguia frear a vontade de estar apenas próxima para sentir a energia de paz que ele me transmitia. No entanto, com o passar dos dias, eu me via forçando situações em que poderia sentir sua presença. De certa forma, isso me fazia mal, pois nunca fico segura do quanto atrapalho com a minha insistência. Sim. Ele continuava em silêncio. O pouco que sei dele, descobri com furtivos olhares, desprevenidas palavras, fugidios lampejos de entrega. Mas isso não importa mais…
Certa vez, cansada de ver a solidão sendo a preferida e eu repelida, resolvi dar a ele um peixinho para fazer-lhe companhia. Assim, a solidão não mais seria a minha rival. O peixe era azul, pequeno e frágil, mas tinha uma alma cuidadora, assim como a do homem, dono da casa.
Esse peixinho, em uma ocasião, sentiu a minha tristeza e não suportando a energia que emanei, morreu. Ele não foi embora de uma vez não. Resistiu, fingiu estar dormindo, reservou sua última força para enganar o homem e continuar ali em sua tarefa de anjo da guarda. Mas em vão, sucumbiu…
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Os olhos do homem deixaram escapar um lampejo de lágrima. Ele gostava do peixe… E eu gostava do homem… E a chuva que era para ser apenas um refrescar de desejo carnal, tornou-se brisa que embala as folhas, tornou-se luz que reflete a imagem, tornou-se água que refresca do calor… Devagar… Bem devagar…