“Cada vez que eu consigo romper uma máscara, um par de asas nasce em meu coração. Asas pequenas e frágeis, mas asas…”
E passou o Carnaval… Devo confessar que sempre me valho da ocasião desse festejo para observação do comportamento humano. Não que eu tenha algo contra o Carnaval, naturalmente. Sempre lamento, porém, por muito do que percebo nessa época, a começar pela alegria que toma as ruas pelo país afora.
Não trata-se, obviamente, de ser contrário à alegria propriamente dita, mas, sim, do fato de ela precisar de data específica para se manifestar. E nessas horas eu me pergunto: que regra é essa que restringe a nossa alegria a uma data? Que lei é essa que nos obriga a sermos sujeitos sisudos ao longo do ano com liberação para extravasar somente em fevereiro?
Com todas as suas cores e sons, o Carnaval tem incontestável valor enquanto manifestação cultural. É necessário, contudo, que estejamos atentos às mazelas dessa sociedade que nos oferece migalhas de alegria, reservando-nos um único dia para o festejo, de modo que, nos demais, sigamos obedientes à cartilha que nos foi imposta. E, como “quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza”, não é de surpreender que assistamos a situações deploráveis nessa época, o que nada mais são que naturais consequências de uma formação cultural que, em lugar de ter a alegria como hábito, a tem como sorte, como lucro, como raridade.
Perceba que há aí uma contradição que acaba por se converter em uma curiosa ironia: ao mesmo tempo em que as festas carnavalescas são a ocasião propícia às fantasias e às máscaras incomuns ao restante do ano, elas se configuram como o único momento em que, na verdade, nós nos despimos das fantasias e retiramos as máscaras.
Aqui, refiro-me àquelas máscaras que viemos adotando desde a mais tenra infância, quando percebemos que o amor do outro era condicional, de modo que, para obter o que desejávamos, precisávamos interpretar um personagem.
E não se engane: a nossa política, a nossa mídia, a nossa Educação, todos têm parte nisso. Cultivar a espontaneidade própria da natureza humana deveria ser tarefa primeira da Educação dos novos tempos, mais relevante e mais urgente até mesmo que a preparação para o mercado de trabalho. Vem à tona aqui aquela nova e promissora ideia de se educar para a vida, e não para ganhar a vida.
Sujeitos educados para a felicidade não guerreiam. Sujeitos profundamente conectados com a própria essência não perdem o senso de responsabilidade durante o festejo, não tocam uma mulher sem a sua permissão, não agridem o homossexual enquanto, no Carnaval, dão ao homem a “permissão” para se travestir.
Sujeitos educados para o bem e para a Verdade não têm a palavra hipocrisia em seu dicionário, e conseguem festejar o ano inteiro, pois sabem que a vida, por si só, é uma grande festa, independente de datas.
Este texto é um convite a uma vida sem máscaras, o que é um tanto desafiador, não nego, pois, ao cultivar a espontaneidade, ao agir de acordo com aquilo que você realmente é, você corre o risco de não ser aceito, de ser rotulado como estranho e inadequado. Desfazer-se das máscaras, portanto, é um ato de coragem, mas é o primeiro passo para uma vida mais plena. A primeira ação em prol daquela felicidade que tanto se procura em elementos externos a nós mesmos.
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Proponha-se esse ato heroico pela sua Verdade. Desbravar o mundo interior, ser um garimpeiro do coração, atuar como um Colombo da Consciência é recusar-se a ser marionete nas mãos de um sistema que lucra com o baile de máscaras que se tornou a sociedade. Portanto, faça isso por você: desfaça-se da sua máscara, dispa-se de sua fantasia e tome as ruas. O verdadeiro Carnaval se dá sem essa fantasia que te impede de voar.