Convivendo

Aprender sobre a morte é enriquecer a vida ​– por fim, nós somos vida e somos morte

convivendo
Escrito por Jéssica Sojo
Faz três anos que você partiu rumo a uma nova morada. Três anos que eu não pude me despedir de você dando-lhe um abraço e dizendo o quanto eu sou grata por ter aprendido tanto com você sobre a vida e alguns termos técnicos de futebol. Três anos – mas a sensação é a de que você está sempre presente – mesmo que não fisicamente. Você continua presente, dentro do meu coração e em todas as boas lembranças que eu tenho de você.

Hoje nossos times jogaram um baita clássico. Meu Palmeiras ganhou de 1×0. Que timaço! Que jogaço, hein? Fechei os meus olhos por uns instantes, voltei ao tempo e recordei das vezes em que você me ligava para me zoar que o seu timeco Corinthians tinha ganhado o jogo ou quando o meu time ganhava e você fazia questão de frisar: “Ah, mas foi só hoje, viu? Pra não ficar feio o Corinthians ganhar sempre.” HAHAHAH! Eu recordei das vezes em que você me ensinava os paranauês do futebol. Parece até que eu escutei a sua gargalhada de longe, fechei os meus olhos e agradeci. Que saudades, Vô!

Seu aniversário está bem próximo e um dias desses, eu me lembrei de uma frase do grande Leon Tolstoi: “A vida é alegria e a morte também”. E sabe, é verdade. A morte é só uma continuidade da vida, só que em outra esfera. Em outra morada. Em outra jornada. E que grande boa sorte a minha, de ter tido você como o meu avô adotivo. Em ter aprendido tanto sobre a vida. Sobre termos de futebol. Sobre transformar a saudade que eu sinto de você em alegria, em sentir gratidão por lembrar-me da sua gargalhada e todas as vezes que eu pude estar junto a você.

Quando você aparecia em casa e tirava onda da minha culinária vegana – frisando que um pedacinho de carne não iria fazer nada mal. Quando eu te usava como cobaia das minhas técnicas de massagem e ortopedia na época da Faculdade de Medicina – e dentre tantas outras boas lembranças que eu tenho de você.

Tenho muita gratidão e fico feliz por hoje compreender que você está bem, onde quer que esteja. E que continua aqui, no coração. Nas lembranças. Na gargalhada. Nos clássicos entre o meu Palmeiras e o seu Corinthians. Em tudo, Vôzinho.

Três anos que eu me questiono os porquês e os tantos outros. Quem somos nós? De onde nós viemos? Para onde nós vamos? Por que nascemos como terráqueos? Como seres humanos? Qual o nosso propósito? Qual o sentido da vida? E a morte? Existe renascimento? Como é partir para outra morada? Vida pós-morte? Teorias opostas? Existe inferno? – e? Uma infinitude de questionamentos. Em conclusão, não existe mistério maior do que a vida e a morte.

No livro Ser Humano — essência da ética, da medicina e da espiritualidade, e que eu tenho lido recentemente, o presidente Ikeda comenta sobre isso: “Filosofar é aprender a morrer. De maneira semelhante, o budismo nos ensina: aprenda primeiramente sobre a morte, e então sobre outras questões. Conforme as duas afirmações sugerem, a​prender sobre a morte é enriquecer a vida”. (Pág. 161.)

Por conseguinte, a morte é um direcionamento para uma nova vida – é compreendido que existe um tempo transcorrido entre nascermos e morrermos. Assim como é por meio da saudade e da dor, e sempre da dor – da perda de alguém – que nós passamos a compreender melhor a vida. Conforme eu comentei dias desses com um amigo, o Luciano: é com a dor, e é sempre com a dor, que para compreender​m​os a vida, é essencial entendermos a morte.

“A vida e a morte representam o ritmo da lei mística que se expressa no viver e no morrer de incontáveis seres ou entidades, no surgimento e na extinção de todos os fenômenos, nos muitos tipos de causas e efeitos em múltiplas dimensões e, ainda, na harmonia e no dinamismo do cosmos como um todo.”

“Quando as pessoas consideram a questão da vida e da morte tomando como início o momento do nascimento, naturalmente acabam se perguntando se sua identidade ou seu ser acabará com a morte ou continuará depois dela. Isso não deveria causar surpresa, já que os seres humanos, mesmo cientes de sua natureza finita e mortal, são incapazes de saber por experiência como é a vida depois da morte ou como é o pós-morte. Dessa forma, por mais que analisemos exaustivamente essa questão com base nesse ponto de vista, não chegaremos a nenhuma compreensão essencial ou sabedoria suprema. Por exemplo, a visão da morte como aniquilação total da existência jamais libertará o ser humano do medo ou da angústia ante a morte. Por outro lado, a ideia da morte como permanência, que contempla a continuação do ‘eu’ sob a forma de uma alma imortal e imutável, frequentemente expressa somente o próprio desejo da imortalidade. Em última análise, não se traduz numa sabedoria que permite à pessoa elevar seu estado espiritual, mas sim o contrário, fortalece e aprofunda ainda mais sua ilusão e seu apego ao ‘eu’.”

“Obviamente, muitas filosofias e tradições religiosas do Oriente e do Ocidente postulam a existência de uma entidade espiritual eterna que transcende o ‘eu’ atual. Mas mesmo que consigam transmitir às pessoas certa paz interior em relação à morte, falham em prover sabedoria para elevar o modo de vida delas. Em vez disso, fazem com que desenvolvam um modo de vida limitado pelo apego ilusório ao “eu” e pelos sofrimentos da velhice e da morte, como mencionei anteriormente. Segundo escritos budistas, quando questionado se sua vida continuaria depois da morte, Sakyamuni não respondia nem sim nem não.”

Gosto muito do budismo porque a morte é profunda – uma continuidade da vida. É um processo natural. Somos vida e somos morte. Somos todos um. A morte é uma oportunidade de nós nos transformamos. Perdoarmos. É um aprimoramento para o nosso autoconhecimento. Segundo o budismo, a vida não acaba com a morte – a vida é eterna e é resultado de ações que praticamos em todas as existências e efeitos em múltiplas dimensões. A morte é um renascimento. Por isso que é primordial ter entendimento de que a qualquer momento podemos morrer – e vivermos de forma plena.

“A vida é uma explosão e combustão de energia armazenada que se encontrava em estado de repouso. Por fim, essa vida encerra sua história e retorna para a morte. Funde-se com o universo, é recarregada pela energia da vida do universo como um todo e espera seu próximo surgimento como uma vida ativa.”

​Podemos entender que a morte é como uma noite tranquila de sono. Nós precisamos dormir para recarregarmos a nossa energia e termos disposição para encararmos o próximo dia, certo? A morte vai muito além. É considerada uma fase latente, à morte. E manifesta, à vida.

“Ninguém pode desfrutar a verdadeira felicidade se não se libertar do sofrimento da morte. Mas libertar-se da angústia que a morte gera não é algo que possa ser feito por meio de teorias ou do intelecto. A vida e a morte compreendem, em si mesmas, o ritmo eterno e magnífico do Universo. Quando conseguimos compreender a grandiosidade desse “eu superior” existente em nós e que é parte desse ritmo, quando sentimos nas profundezas do nosso ser que esse ritmo é o pulsar primordial de nossa vida, então, conseguimos superar o sofrimento da morte. O caminho da libertação interior encontra-se em recitar N​​​am​ myoho rengue kyo e ensinar os outros a fazerem o mesmo.”

​Não é fácil, mas tenho aprendido bastante à respeito da morte. Sou eternamente grata ao meu avôzinho querido, por ter me trago uma baita experiência em tão pouco tempo. Nós só conseguimos manifestar a felicidade quando compreendemos a morte – vivendo de acordo com o grandioso ritmo da vida e da morte.

“Daishonin esclarece que a Lei Mística (myoho, em japonês) compreende duas fases: a vida e a morte. Ele nos diz: “Myo representa a morte, e ho, a vida”. (END, v. 3,p. 173.) Declara também que todas as formas de vida — ou seja, todos os fenômenos — estão sujeitas a essas duas fases e esclarece que todas experimentam a vida e a morte, que são funções da Lei Mística. Daishonin explica que o nascimento e a morte são partes inerentes da vida. Dessa forma, ele procura nos impedir de cair no erro de temer a vida e a morte ou no equívoco de desenvolver forte apego à vida ou à morte.”

​C​om todo o meu coração, mãos em prece, N​​am myoho rengue kyo.

“São só dois lados. Da mesma viagem. O trem que chega. É o mesmo trem da partida. A hora do encontro. É também de despedida. A plataforma dessa estação. É a vida desse meu lugar. É a vida desse meu lugar. É a vida…”

Somos a vida e somos a morte, somos todos cíclicos e somos um…

 

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Referências:
Terceira Civilização – Edição 468, 01/08/2007, pág. 41.
Livro Ser Humano — essência da ética, da medicina e da espiritualidade – pág. 161.
Terceira Civilização – Edição 486 – 01/02/2009 – pág. 62 – Diálogo Sobre a Filosofia Budista.
Terceira Civilização, Edição 589, 16/09/2017, pág. 28.
Terceira Civilização – Edição 590 – 14/10/2017 – pág. 30.
Brasil Seikyo, Edição 2260, 31/01/2015, pág. B2 e B3.
Brasil Seikyo, Edição 2127, 14/04/2012, pág. C7 / Caderno Desafios da Juventude.
Terceira Civilização, Edição 392, 01/04/2001, pág 7.
Brasil Seikyo, Edição 1749, 29/05/2004, pág A3.
Brasil Seikyo, Edição 2119, 11/02/2012, pág. A2 / Diálogo.
Terceira Civilização – Edição 487 – 01/03/2009 – pág. 66 – Diálogo Sobre a Filosofia Budista.
Terceira Civilização – Edição 590 – 14/10/2017 – pág. 30
Terceira Civilização, Edição 591, 11/11/2017, pág. 28.

Sobre o autor

Jéssica Sojo

É custoso descrever quem sou eu, já que constantemente lapido, modifico e me transformo em um pouco de tudo e muito de cada pouco. Inicialmente posso compartilhar dizendo que sou extremamente curiosa, apaixonada pela comunidade surda, pela Língua de Sinais e por tudo que envolve a linguística e audiologia.

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