A construção dos meus textos neste nosso saboroso “Eu Sem Fronteiras” começa e agora finaliza nos lugares mais estranhos: o último texto, sobre querer ser passarinho, ficou quase pronto em minha cabeça, quando estava fazendo uma ultrassonografia, dentro daquela máquina que parece ter a intenção de nos transformar em salsicha, seguindo as ordens de expirar, reter e soltar o ar dos pulmões. Demorava demais e resolvi elaborar mentalmente o texto sobre passarinhar e voar com passarinhas para todos os cantos, até aquele que todos tememos, mas que nos aguça a curiosidade (o tal lado de lá…). O texto ficou pronto na cabeça e duas ou três horas depois estava nas mãos das Editoras deste espaço.
Duas semanas depois, eis-me no mesmo laboratório de análises clínicas, onde encararia mais uma daquelas máquinas que sempre suspeitei ter sido emprestada de estúdios de filmes de terror. Resignado, fiquei aguardando ser chamado para ser engolido pelo tomógrafo. Nisso, entra uma senhora toda faceira, risonha, uma gracinha, faltando-lhe apenas um letreiro na testa escrito “MÃE”. Atrás dela um carinha de uns 40 anos, altão, fortão, que não precisava de letreiro algum na testa, dada a grande semelhança fisionômica com a senhorinha a quem escoltava. Ela acompanhou toda a tramitação para o atendimento, desde o preenchimento do questionário cheio de perguntas esquisitas e exigindo memória de um elefante nerd para ser respondido. O rapaz ia preenchendo, ao tempo em que debatia com a senhorinha os detalhes das respostas, muito atencioso e gentil, o que me levou a pensar: “Puxa! Carinha, beleza, sabe cuidar da mãe!”. Uma dada hora fui chamado, encarei o monstro que residia em uma caverna pintada de branco, em cuja porta se via escritas as palavras: “TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA” e “CUIDADO! ELETROMAGNESTIMO”. Sai de lá vivo e até admitindo simpatias naquele moedor de gente, voltei para a mesma sala de espera, porque teria que enfrentar aquela agulhinha vampírica, para sugar-me o precioso sangue, sentando-me ao lado da senhorinha e já procurando a sua “escolta”, quando o rapagão passa pela mesma porta que eu, vindo de algum exame, e é imediatamente envolvido pela senhorinha. Nessa hora pude ouvir: “Doeu muito, meu filho? A mãe está aqui! Imagina que eu ia deixar você vir sozinho!”… Fiquei meio atrapalhado, porque a senhorinha tinha a metade da estatura do seu pimpolho e uns 40 quilos pelo menos, e sua carinha mostrava aquele misto de dó com preocupação, composição emocional restrita apenas para as mães!
Eu os acompanhei com o olhar e notei que a escolta passou a ser feita pela senhorinha, enquanto recebia um olhar do rapaz, acompanhado por um discreto sorriso e um arquear de ombros, como se dissesse (e disse!): “Está vendo? Parece que ainda sou o meninão que rala o joelho no skate e vem a mãe com o mertiolate e mil beijinhos!”.
Maravilhado, entendi o que leva uma mulher a ser alçada para o plano das deusas, filhas preferidas da Criação quando, então, recebe a comenda de ser “MÃE”
Se o que vi não é amor na sua forma mais intensa, que me perdoe o(a) leitor(a) pela incapacidade de ver além, mas juro que senti inveja do rapagão e mais uma vez aprendi algo sobre a obra divina!
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