Às 07h da manhã, há pessoas que vão à luta, mas há aqueles que já deveriam estar na labuta. E são estes últimos os mais interessantes. Luci Blue é cabeleireira. Muito alta, meio magra, tem um filho de criação, diabetes tipo dois, sorriso raro, déficit severo de vitamina D, uma bolsa enorme e duas sacolas pequenas.
Blue nunca se atrasa. Eventualmente, chega em cima da hora, mas atrasada jamais! Exceto hoje onde, dia em que, coincidentemente, ela esbarrou comigo.
Nós duas disputamos o lugar ao lado da janela, no banco alto próximo ao cobrador do ônibus. Percebemos, ao mesmo tempo, o lugar vago. Enquanto eu me perguntava por que alguém queria tanto aquele lugar desprezado porque o banco está virado ao contrário dos outros, obrigando o passageiro a encarar quem está em sua frente, Luci Blue o ocupou.
Do banco que eu acabara de perder, conseguia contemplar o nascer do Sol por uns bons 20 minutos. Diariamente, acompanho a ascensão do Astro Rei por tempo suficiente pra me sentir abençoada e iniciar a minha jornada de oito horas fechada entre quatro paredes e um ar condicionado. Ele não me bronzeia, mas me ruboriza.
Como hoje eu vi o amanhecer por outro ângulo, não pude sentir a luz dos seus raios diretamente no meu rosto, todavia contemplei algo muito mais caloroso.
Blue sentou-se. Acomodou as sacolas pequenas no chão e a bolsa no colo. Observou o entorno e as paisagens externas; observou lentamente o ônibus superlotado. Ela desenhou um risco no vidro suado, levantou os olhos e pousou-os em mim.
Se fosse um homem a me olhar, por padrão e por pudor, eu desviaria. Mas ali, na dúvida do que fazer, mantive o olho no olho. Em uma fração rápida de segundos pensei: “por que eu e não a senhora sentada à sua frente?”.
Na paralisação causada pelo desespero do contato humano, desisti do esboço de um sorriso falso. Foi justamente na entrega ao olhar do outro e na permissão que silenciosamente dei para que ela também me olhasse nos olhos e enxergasse a mim, que um milagre aconteceu.
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Durante 47 segundos eu deixei de ser o meu cargo ou a dívida do meu cartão de crédito. Eu me senti humana novamente, uma humana viva! E o melhor: eu não estou sozinha.