Autoconhecimento Espiritualidade

A casa das mulheres selvagens – Uma homenagem a todas as mulheres

Escrito por Priscilla Herrerias

A casa das mulheres selvagens às vezes se esconde por entre a bruma. Às vezes é clara como o sol. Às vezes fica à beira. Às vezes está no centro. O encontro com ela é para aquelas que fizeram, em algum momento da espiral sagrada do tempo, um comprometimento consigo mesmas.

A casa das mulheres selvagens é de madeira. Aquece nos dias frios e refresca nos dias quentes. É pequena, mas grande. Nela cabem tantos mundos quanto se sonha, suas poucas portas dão acesso a tantas outras novas portas, imagino que seu teto leve a um ático e que no fundo da cozinha escadas levem a um porão. A casa me diz que assim como dentro, fora; assim como acima, abaixo.

foto de jardim com flores coloridas.

A casa das mulheres selvagens obviamente tem um jardim. Também ele selvagem. Junto ao alecrim, compostagem; à sálvia, à cidreira e à erva-de-são-joão, mato; junto às flores da abóbora, fungos. A organização é da natureza. As flores não se distinguem de seus espinhos, a água ama o fogo e o fogo ama a água, assim como o silêncio ama o ruído e o ruído busca o silêncio.

A casa das mulheres selvagens às vezes oferece banquetes. Junto à mesa farta, as mulheres saboreiam delícias, manjares e vinhos, contam histórias, riem e choram. Depois dançam em volta do fogo onde ardem tristezas e rancores, lembranças e expectativas, abortos e mortes. Quando cansadas, deitam-se no chão e assistem às estrelas cadentes, que lhes trazem sonhos enigmáticos.

Foto de mesa de banquete medieval com diversas peças de prata e comidas.

A casa das mulheres selvagens, por algumas vezes, esteve envolta em 40 dias de chuva ininterrupta. A água que caía do céu encharcava a casa. Dentro, quando se segurava uma caneta, ela por si só começava a desenhar histórias: Histórias de mulheres que subiam torres por dias, meses e anos; histórias de mulheres que tremiam de frio e morriam; histórias de mulheres que cuidavam da mãe em algum lugar distante da Ásia; histórias de mulheres que amavam homens e mulheres, que se maravilhavam com a beleza de seu próprio corpo e se surpreendiam, com uma alegria louca, com a potência da vida. Quando o sol saía, a casa celebrava o sol, com roupas brancas e coloridas enchendo os varais.

A casa das mulheres selvagens acolhe, sem escolher. O caos entra por suas frestas, pelo encanamento, assim como a presença das estrelas. Na casa, às vezes as mulheres gritam, brigam, entregam-se à birra de suas meninas, esperneiam, sangram, se deixam levar pelo desespero. Nesses dias não há banquete. Nesses dias, na mesa das mulheres selvagens só há água. Bebe-se. A água é pura e fresca. E basta.

A casa das mulheres selvagens tem espelhos. Quando entrei, com os olhos sagrados de coruja emprestados pela casa, vi na escuridão o que estava protegido pela noite. Me assustei, mas segui olhando, no interior quente da casa. Era só isso. O monstro debaixo da cama se alimenta da covardia do não olhar. E, acolhida pela casa, eu olhei. Era o nada, confrontado com meus olhos amedrontados, que viam o meu medo refletido. O medo do medo. A casa me ensinou a confiar.

As mulheres que habitam a casa são muito diferentes. Mas todas são livres.
Suas roupas são belas, escolhidas para cada dia. Seus cabelos são brancos, loiros, morenos. Seus olhos azuis, castanhos, pequenos, grandes, mas todos vivos. Suas diferenças às vezes motivo de briga são suas riquezas. As mulheres selvagens a cada dia se conhecem mais a si mesmas. Crescem em sabedoria. E crescer dói. Mas há o mistério de aceitar a vida: Vida feito rio, gente feito água, fluxo no tempo espaço do ser.

Eu tive a sorte de entrar e coabitar a casa das mulheres selvagens. Eu tive a sorte de conviver com elas por certo tempo. E me descobrir, eu mesma, selvagem.

Mulher vestida de branco segurando uma mala de couro andando em caminho na floresta.

Um dia, as mulheres deixaram a casa.

Fizeram suas malas e partiram.

Eu me vi ali, só, entre as paredes que guardavam tantas lembranças, no jardim que seguia recebendo em seu corpo borboletas e lagartas, diante da fogueira apagada ainda cheia de cinzas.

Eu ali, só. Com meus pés firmes no chão.

Olhei e entendi.

Finalmente entendi.

Silhueta de diversas mulheres de mãos dadas observando o pôr do sol.

A casa eram as mulheres.

A casa era eu.

Como se a Terra, feliz, plena, mãe de amor infinito e incondicional houvesse sonhado a casa.

Eu compreendi.

A Terra havia sonhado a casa.
A Terra havia sonhado aquelas mulheres.
A Terra havia sonhado a mim.

E a você.

Eis-nos aqui.

Mulher vestindo um vestido de princesa medieval andando na floresta com um lanterna na mão.

Derramando leite
Em forma de leite,
De Arte,
De Cuidado,
De Amor…


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Sobre o autor

Priscilla Herrerias

Sou formada em artes cênicas, pesquisadora das artes do corpo e do movimento. Seguindo esse caminho, comecei a me aproximar das terapias corporais. Sou formada em Myofascial Energetic Release (Liberação Miofascial Energética), uma terapia de toque profundo e consciente, pelo criador da técnica, Satyarthi Peloquin. Atualmente atendo em São Paulo, na Vila Mariana.

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