Autoconhecimento Psicologia

A conturbada relação de uma aranha e sua mosca: aprendendo a lidar com portadores do Transtorno de Personalidade Narcisista – Episódio XIX

Uma mulher se olhando num pequeno espelho.
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Narcisistas costumam ser muito seletivos na escolha de suas vítimas, e até neste aspecto a simbólica comparação com as aranhas lhes cai como uma luva, a começar pelo processo usado para tecer suas teias. Talvez poucos saibam disto, mas, apesar da aparente fragilidade, a teia de aranha é extremamente resistente em relação ao seu peso, numa proporção 5 vezes mais forte que o aço. Composta de minúsculos fios de seda produzidos por glândulas localizadas no abdome do aracnídeo, sua constituição de aminoácidos produz tipos diferentes de fios, cada qual com finalidade diferente. Há fios específicos para compor a estrutura da teia, para capturar as presas, para construir os casulos, para a cópula, para a muda (algumas aranhas trocam de esqueleto) etc. A teia destinada à captura das presas é a mais comum, sendo tecida em locais abertos, com circulação constante de insetos.

Mas é claro que não estamos aqui para estudar aranhas, não pelo menos das que são objeto de estudo dos biólogos, mas aquele tipo específico de “aranha” que tortura suas vítimas humanas e dá muito trabalho aos psicólogos. Conhecendo os hábitos do aracnídeo, entretanto, fica bem mais fácil entender o modus operandi do seu correspondente humano, justificando o apelido de um “homem-aranha” que passa longe do conhecido herói da ficção. Este anti-herói abordado em nossa série também faz uso de teias diferentes, nas quais a diferença fica por conta do objetivo muito bem arquitetado para cada momento.

Uma mão manuseando cordas de um fantoche.
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Seguindo em nossa abordagem pela ótica da vítima no ambiente de trabalho – o maior ônus do convívio com nossa aranha tradicionalmente recai sobre as do sexo feminino. Estas se verão, desde o primeiro contato, envolvidas numa sequência contínua de armadilhas que podem levar às mais dramáticas consequências, mesmo após sua interrupção. Ninguém mais do que esse tipo de “mosca” conhece o poder da teia para a qual se verá atraída, até se sentir impotente para se desvencilhar. Mas se para a “mosca doméstica” – que essa aranha já tenha presa em casa – a saída parece inalcançável, a grande vantagem dessa “mosca circunstancial” em uma relação amorosa no ambiente profissional é que, caso o deseje, terá formas menos complexas de se libertar. Bastará, é claro, que acorde para sua realidade na relação com a aranha e conclua que não lhe traz benefício algum.

É preciso lembrar que a dor da ferida muitas vezes tem mais a ver com a reação da vítima do que com a ação do agressor. Daí porque uma pessoa sozinha no ambiente familiar poder se sentir bem mais assustada do que uma que passa pelo mesmo assédio no ambiente de trabalho, por exemplo. Esta sabe que sempre contará com um suporte administrativo que a primeira não terá, o que faz com que a pressão sobre uma e outra tenha pesos diferentes em relação aos efeitos psicológicos produzidos.

O narcisista é sabidamente infiel e se sentirá bastante livre para se envolver com colegas de trabalho, já que estão distantes da pessoa que ele mantém em casa. Mas que não se pense que isso seja interessante apenas para o sedutor compulsivo: várias de suas supostas vítimas conseguem ver tal situação como positiva, notadamente quando também buscam vantagens para si mesmas, e em caso de risco terão meios mais efetivos de proteção bem próximos a elas, sem a exposição e os transtornos causados por uma denúncia policial.

Esse caso de “parceria” de aranha e mosca em torno de interesses mútuos não é tão incomum quanto se pensa. A parceria recebe ênfase nas aspas por não ser a do tipo convencional – de unir forças por uma causa comum –, mas uma espécie de mútuo consentimento para atendimento de objetivos individuais que nenhum dos dois revela. Que não se espere, portanto, que haja um pacto de jogo limpo entre ambos, já que o primeiro que conseguir alcançar seu objetivo fatalmente tentará descartar o outro.

Jogos de sedução e exercício de poder encontram um ambiente especialmente favorável nos espaços corporativos, graças à ganância quase ilimitada entre competidores posicionados como colegas de trabalho, chefes e subordinados, ou até entre funcionários e clientes, sempre que existam personalidades narcísicas inseridas nas relações, o que é mais provável do que se esperar o contrário.

Homens vestidos de roupa social correndo numa pista de atletismo.
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Vítimas de narcisistas no ambiente de trabalho podem enfrentar uma sobrecarga tão exaustiva em seu emocional que, se não se cuidarem, isso pode interferir seriamente em sua saúde mental, além do potencial para gerar afastamentos e até destruir carreiras. Quando o narcisista ocupa posição de chefia, pode exercer pressão psicológica muito forte nas vítimas, pois que não admitirá ser questionado, além de que os talentos subordinados à sua gestão fatalmente serão vistos como ameaças que precisarão ser contidas para não retirar dele o destaque que precisa manter a todo custo. Consequentemente, seus subordinados se sentirão todo o tempo “entre a cruz e a espada” pois que, se forem bons o bastante para ganhar espaço, ele irá menosprezar suas conquistas para não ser ofuscado, fazendo com que se sintam desvalorizados em suas capacidades. E se estes não “mostrarem serviço” a ele, da mesma forma irá dizer que está rodeado de incompetentes para justificar todo tipo de perseguição contra os que o incomodarem.

No caso de o narcisista ser um dos colegas, suas vítimas deverão permanecer muito atentas, pois ele não terá qualquer pudor em boicotar o trabalho delas, de modo a passar ao chefe a ideia de ser o único funcionário competente do setor. E que não se iludam os mais incautos, pois empurrar para os outros a culpa de todos os erros que acontecem no ambiente que dividem é sua especialidade. Ele fará isso com um sorriso nos lábios e um olhar carregado de falsa solidariedade. E se a vítima for honesta o bastante para questionar as razões para os boicotes que vem enfrentando, ele se mostrará surpreso, como se não tivesse a menor ideia do que ela está dizendo.

O ambiente profissional cria situações para as quais nem sempre há rotas de escape, como ter um narcisista por quem seu trabalho passa antes de chegar à chefia. Mesmo que você tenha se esmerado para não cometer erro algum, não haverá garantia alguma de que o trabalho chegue ao chefe da mesma forma como o produziu, daí porque o clima de tensão e vigilância invariavelmente passará a ser parte da rotina.

A situação será agravada se, além desse colega que já é um problema por si mesmo, seu chefe não for perspicaz o bastante para perceber as manipulações do narcisista para ser induzido a acreditar que o incompetente é você. Na vida privada existem instâncias legais às quais podemos recorrer em caso de pressões e assédio moral que comprometam nossa saúde mental, mas no ambiente tóxico das empresas, as saídas nem sempre são tão claras e até recorrer a uma instância superior – como o diretor acima do seu chefe, por exemplo –, pode ser malvisto, fazendo com que o denunciante seja visto como uma espécie de “X9”, aquele funcionário desleal que “entrega” os colegas ou até o chefe quando não quer assumir os próprios erros.

Um superior dando uma bronca num funcionário.
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Como regra aplicável ao convívio com narcisistas, independentemente do tipo de espaço compartilhado com eles, é ter em mente que você nunca poderá subestimar a capacidade deles de criar situações que o coloquem em maus lençóis, razão mais do que suficiente para nunca baixar sua guarda. Raciocine sempre como quem anda em terreno minado para analisar cada passo, antes de se achar em segurança, pois seus ardis nem sempre são percebidos a priori. No ambiente de trabalho, será prudente registrar cada ação, salvar e-mails e manter cópias dos documentos produzidos. No privado, os cuidados serão outros, pois que sua competência perde peso no que toca a prejuízos, por exemplo, pois a ali a preocupação deverá ser com a saúde mental e a integridade física.

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No frigir dos ovos, tudo deve ser muito bem avaliado se quiser fugir da fórmula que nunca dá errado, que é o distanciamento: na empresa, você terá a opção de pedir transferência para um outro setor ou, na impossibilidade, até decidir pela demissão. Mas num convívio mais próximo, como numa casa compartilhada por ambos, o que está em jogo é algo muito maior, podendo ser tudo o que você foi até ali e o que será depois da traumática experiência de vinculação com uma mente doentia que jamais poderá lhe oferecer o que você merece! Desejar sorte nunca é demais, mas não abra mão do seu bom senso!

Acompanhe a série:

Você está no Episódio 19

Sobre o autor

Luiz Roberto Bodstein

Formado pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduado em docência do ensino superior pela Universidade Cândido Mendes. Ocupou vários cargos executivos em empresas como Trimens Consultores, Boehringer do Brasil e Estaleiro Verolme. Consultor pelo Sebrae Nacional para planejamento estratégico e docente da Fundação Getúlio Vargas e do Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear (IBQN) para Sistemas de Gestão. Especializou-se em qualidade na educação (Penn State University, EUA) e desenvolvimento gerencial (London Human Resources Institute, Inglaterra). Atualmente é diretor da Ad Modum Soluções Corporativas, tendo publicado mais de 20 livros e desenvolvido inúmeros cursos organizacionais em suas diferentes áreas de atuação. Conferencista convidado por várias instituições de ensino superior, teve vários de seus artigos publicados em revistas especializadas e jornais de grande circulação, como “O Globo”, “Diário do Comércio” e “Jornal do Brasil”.

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