Autoconhecimento Comportamento Convivendo Crônicas da Vida

A ditongação

Foco na mão de uma mulher que usa um anel e a coloca para frente, fazendo um gesto de meditação. O fundo da imagem está embaçado.
Microgen / Getty Images / Canva Pro
Escrito por Nina Veiga

A intuição é uma ferramenta muitas vezes ignorada que pode ajudar no cotidiano. Há uma reflexão sobre a palavra “ditongação”. Ao investigar seu significado, a autora percebe que a sua fala revela uma mudança de pronúncia e gramática, simbolizando a importância de ouvir a própria intuição e corrigir-se.

Intuição! Eis uma ferramenta que temos ao nosso dispor, mas que nem sempre a usamos. Na maioria das vezes, ignoramos as vozes intuitivas que nos poderiam auxiliar muito, nas mais simples ações do cotidiano, às complexas e sofisticadas armadilhas nas quais caímos frequentemente por falta de atenção à voz intuitiva.

Ela acordou pensando em ditongação. O termo não saía de sua mente: ditongação, ditongação… Uma vaga lembrança dos tempos em que cursara a faculdade de Letras percorreu-lhe a memória.

Foi tomar café. Enquanto passava “tahine” na tapioca recém-feita, a palavra invadiu-lhe a mente novamente. Que seria aquilo? Por que aquela palavra a estava perseguindo desde o momento em que abrira os olhos?

Estava ocupada, muito havia para fazer até que suas gravações para a nova série de podcast estivessem prontas. Desde ontem, estava a gravar pequenos programas que seriam veiculados pela internet para quem se interessasse por manualidade escrita. Por isso, não tinha tempo para digladiar-se com uma palavra intrometida que nada dizia sobre a que veio.

Imagem de fundo cinza, em destaque uma mulher de cabelos cacheados e óculos. Ela está pensativa.
Vkstudio / Canva Pro

Ditongação. Passou em revista o que lembrava do termo: transformar uma vogal em ditongo. Mas a definição leviana não tinha o poder de esclarecer as razões pelas quais a dita estava insistindo em ficar.

Resolveu ir ao dicionário. Aventurou-se pelo papel. Subiu na banqueta, escalou a estante da biblioteca e tirou de lá o velho e esquecido “Grande dicionário etimológico prosódico da Língua Portuguesa”, volume II, B-D. Abriu e imediatamente o cheiro do tempo impregnou-lhe as narinas.

Só faltava essa, pensou, além da palavra, agora é o cheiro de livro velho que me invade. E olha que não são nem oito da manhã. Ainda resmungando, percorreu a página intitulada Ditirambo: Ditologia, Dítomo, Ditongação, dizia: “s. f. Formação de ditongo, quer por síncope, quer por vocalização de consoantes, quer por esforço muscular”. Metaplasmo atrevido!

Você também pode gostar

Resolveu ignorá-lo e foi ao trabalho. Abriu o computador e começou a revisar o trabalho da noite anterior. Colocou os fones de ouvido, apertou o “play” e escutou: “Nóis vamos começar a pensar”. “Nóis?” “Nóis?” Desde quando ela começou a falar “nóis”?

Estava lá a mudança fonética: ditongação! Desde que acordou, aquela que habitava dentro dela estava a tentar alertá-la: cuidado com o sotaque, está produzindo ditongação.

Pediu desculpas ao si dentro de si e apertou o botão de apagar. Não permitiria que a semivogal se inserisse por acréscimo. Apertou o “rec” e repetiu a gravação: “Nós vamos começar a pensar nas manualidades escritas”.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

Email: ninaveiga@ninaveiga.com.br
Facebook: ninaveigadra
Instagram: @ninaveigaatelier
Twitter: @AtivismoD
Skype: nina.veiga.atelier