Autoconhecimento Convivendo

A filosofia de lavar a louça

Pessoa lavando uma panela na pia. A torneira está ligada
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Escrito por Antonio Lima

Confesso que não sou um exímio lavador de louças. Deixo a desejar nos quesitos eficiência e rapidez. Mas me esforço. Outro dia recebi a reclamação de que um garfo estava meio gosmento. Falta de força na fricção da esponja contra o metal. Aumentei a pressão contra o talher para tirar a gordura ali impregnada.

Não sei se é um pouco de TOC — deve ser mesmo — mas eu tenho um processo para lavar a louça. Começo pelos pratos, dos rasos aos fundos, vou para as panelas ou frigideiras, potes de plástico, copos e, por fim, os famigerados talheres. Meu calcanhar de Aquiles.

Lavar a louça sempre me leva a esvaziar a mente, como se todos os problemas do mundo fossem reduzidos à quantidade de detergente que você coloca na esponja ou da água que você permite que saia da torneira. Porém não é incomum que pensamentos mais encorpados me assaltem. Certo dia, uma segunda-feira, dia de pia cheia — sobras da preguiça do final de semana — me bateu a ideia de que a nossa existência é, em sua maior parte, destinada a coisas sem a menor importância.

Para começar, passamos um terço do tempo dormindo. Ou seja, não vivendo. Se você conseguir chegar aos oitenta anos, lá se vão vinte e seis anos e pouco em cima de um colchão. Não necessariamente em atividades de teor sexual, entenda-se.

Perdemos tempo no trânsito, no elevador, em filas, em conversas inúteis, no banho, aguardando o computador acordar — enfim, você sabe do que estou falando. Viver mesmo, em sua plenitude, consome pouco do nosso tempo. Não sou dado a estatísticas, mas posso chutar que não passa de uns míseros dez por cento. Oito anos ou menos.

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Estas ideias passam pela minha cabeça quando estou lavando a louça. Além, é claro, das dúvidas existenciais mais comuns, embalados por lembranças das ideias existencialistas de Sartre ou do Pequeno Príncipe — “tu te tornas eternamente responsável por quem tu cativas”. Até Nietzsche me aparece de vez em quando, dizendo que o que não me mata me deixa mais forte.

Podem dizer que este fenômeno seria uma espécie de louçaterapia, uma forma canhestra de agregar valor a uma atividade cotidiana, digamos que enfadonha e menor. Dessa forma, não parece um tempo que vai pelo ralo.

Sobre o autor

Antonio Lima

Minha carreira começou em 1985, quando eu coloquei os pés em uma agência de publicidade sem nunca ter criado um anúncio antes.

Eu tinha 23 anos. Estava na faculdade. Troquei um emprego de seis anos, seguro e bem remunerado, por um sonho.

Meus diretores na época mal sabiam que estavam mudando a minha vida. De origem simples, sem que ninguém da minha família até ali tivesse um diploma universitário, eu entrei no mundo da publicidade e vivi momentos mágicos nesta profissão encantadora e que, muitas vezes, nos consome.

Muitos anos depois, posso dizer que me sinto realizado. Olhando para o que eu fiz, as agências por onde eu passei, as marcas para as quais eu criei, seja um simples folheto ou uma campanha completa, eu tenho a sensação que sempre estive no lugar certo.

Em cada peça que eu criei ou ajudei a criar, tive o desafio de encontrar um caminho, uma solução criativa. E a busca pela originalidade, por uma forma de emocionar as pessoas, por surpreendê-las, sempre me guiou neste ofício que nos obriga a estar sempre com a mente aberta, livre de preconceitos e de verdades absolutas.

Depois de ser estagiário, redator, diretor de criação, sócio, empreendedor, consultor, me sinto essencialmente um operário da palavra, das ideias.

Agora, tenho o prazer de voltar ao início, quando, ainda tão jovem e inexperiente, eu me sentava à frente de uma Olivetti e criava um título, redigia um anúncio. A lição que fica, mesmo que pareça meio piegas, é que nunca devemos perder a nossa essência.

É esta verdade que aquele garoto, que passou, cheio de sonhos e medos, pelo portão do casarão da Rua Tupi, me ensina todos os dias.

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