Confesso que não sou um exímio lavador de louças. Deixo a desejar nos quesitos eficiência e rapidez. Mas me esforço. Outro dia recebi a reclamação de que um garfo estava meio gosmento. Falta de força na fricção da esponja contra o metal. Aumentei a pressão contra o talher para tirar a gordura ali impregnada.
Não sei se é um pouco de TOC — deve ser mesmo — mas eu tenho um processo para lavar a louça. Começo pelos pratos, dos rasos aos fundos, vou para as panelas ou frigideiras, potes de plástico, copos e, por fim, os famigerados talheres. Meu calcanhar de Aquiles.
Lavar a louça sempre me leva a esvaziar a mente, como se todos os problemas do mundo fossem reduzidos à quantidade de detergente que você coloca na esponja ou da água que você permite que saia da torneira. Porém não é incomum que pensamentos mais encorpados me assaltem. Certo dia, uma segunda-feira, dia de pia cheia — sobras da preguiça do final de semana — me bateu a ideia de que a nossa existência é, em sua maior parte, destinada a coisas sem a menor importância.
Para começar, passamos um terço do tempo dormindo. Ou seja, não vivendo. Se você conseguir chegar aos oitenta anos, lá se vão vinte e seis anos e pouco em cima de um colchão. Não necessariamente em atividades de teor sexual, entenda-se.
Perdemos tempo no trânsito, no elevador, em filas, em conversas inúteis, no banho, aguardando o computador acordar — enfim, você sabe do que estou falando. Viver mesmo, em sua plenitude, consome pouco do nosso tempo. Não sou dado a estatísticas, mas posso chutar que não passa de uns míseros dez por cento. Oito anos ou menos.
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Estas ideias passam pela minha cabeça quando estou lavando a louça. Além, é claro, das dúvidas existenciais mais comuns, embalados por lembranças das ideias existencialistas de Sartre ou do Pequeno Príncipe — “tu te tornas eternamente responsável por quem tu cativas”. Até Nietzsche me aparece de vez em quando, dizendo que o que não me mata me deixa mais forte.
Podem dizer que este fenômeno seria uma espécie de louçaterapia, uma forma canhestra de agregar valor a uma atividade cotidiana, digamos que enfadonha e menor. Dessa forma, não parece um tempo que vai pelo ralo.