Distinguir entre o que é real e o que é ilusório pode ser um enorme desafio, partindo do princípio de que nossas percepções podem ser enganosas, e nossas interpretações, influenciadas por fatores como experiências vividas, crenças pessoais e equívocos cognitivos. Teoricamente a realidade poderia ser testada e verificada através de métodos científicos, no quais as observações e experimentos poderiam fornecer evidências sobre a existência e o funcionamento da matéria inerente ao mundo físico. Mas não podemos simplesmente descartar o processo intersubjetivo da questão, ou seja, quando a realidade é construída por consenso entre muitas pessoas.
De novo, teoricamente se diria que a experiência coletiva e concordância entre muita gente empresta consistência ao objeto de estudo, aumentando-lhe a confiabilidade. Mas aqui entramos em outro viés que pode alterar substancialmente tudo o que foi dito até aqui: e se tudo que entendemos como real for apenas uma criação do pensamento, e até o suposto “consenso de muitos” só existir na nossa cabeça?
É, eu sei que isso é muito complicado, mas, nessa seara, simplesmente tudo é possível, pois não existem parâmetros a que possamos nos apegar para confirmar esta ou aquela teoria por envolver a subjetividade do pensamento em relação ao que acontece em seu entorno. Se pela coerência lógica as nossas percepções devem estar em conformidade com princípios lógicos e consistentes para serem tomadas como verdadeiras, algo que as contrarie pode ser percebido como ilusão. Mas até nossa “concretude” fica submetida a experiências subjetivas que não podem ser verificadas por outros, porém são absolutamente reais para quem as vivencia. Qual destes pontos, então, se poderia entender como “realidade”?
Escapando da teoria para a prática, vou contar uma vivência pessoal que nunca compartilhei antes com outra pessoa, temendo até que isso apressasse o desfecho que me assustava: durante um extenso período de minha vida — quase uma década —, experimentei um fenômeno bastante assustador, associado ao que os estudiosos do comportamento humano costumam chamar de “sonhos vívidos”, quando você se lembra deles depois com tal nível de detalhes e precisão que perdemos a referência entre fantasia e realidade. À certa altura, comecei a temer pela minha saúde mental, acreditando que um dia, sem que eu tivesse controle sobre o processo, não mais “acordaria” de um desses mergulhos noturnos, e passasse a viver “do outro lado” de maneira permanente, no lugar da vida que tinha durante o dia, ou que pelo menos acreditava ser a minha vida real, mas agora não tinha mais tanta certeza.
Na ocasião, assumi a hipótese de que todos aqueles a quem classificávamos de “loucos” simplesmente poderiam se tratar de pessoas que deixaram o corpo físico neste mundo tido como real, e se transportaram em definitivo para outro a que nunca teriam acesso por mero exercício da vontade, já que a transição entre eles não decorria de escolha própria. O mais angustiante da minha experiência é que, quando “estava lá”, eu tinha medo de passar o portal que me traria para este que compartilhamos neste momento; e, ao acordar toda manhã, o pavor era dormir de novo e não poder mais retornar ao mundo que, como agora, eu acreditava ser o real. Você não faz ideia de como pode ser aterrador não saber se tudo o que você vivencia em qualquer dos lados é real ou não.
Quando finalmente parei de me dividir entre esses dois mundos, de forma absolutamente involuntária, as angústias de toda noite foram aos poucos diminuindo até desaparecer por completo, e eu conseguir me ver neste mesmo mundo que compartilho com você neste exato momento, sem aquela angustiante sensação de que poderia ter sido deixado no mundo errado.
O que posso dizer é que a experiência provocou uma alteração completa nos meus valores e percepções, quando então precisei rever tudo o que tinha anteriormente como inquestionável. Foi preciso reformular todos os conceitos que eu acreditara consolidados, já que a fronteira entre o ilusório e o real, que eu acreditara existir, poderia não ter ido além de minhas próprias elucubrações mentais, pura e simplesmente.
Claro que a experiência foi muito mais profunda e traumática do que eu poderia descrever aqui, mas o importante é que absolutamente NADA ficou de fora do caos que jogou por terra toda a minha estrutura emocional e cognitiva, para reconstruí-la depois sobre bases que eu jamais acreditaria serem possíveis.
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Quando todo o nosso sistema de crenças é atingido na sua essência — e posso dizê-lo com a propriedade de quem o vivenciou pessoalmente —, a noção de tudo o que se tinha como real perde completamente seu sentido. Isso vai mudar toda a percepção que trazíamos do visível e do invisível, que passam a integrar um universo que paramos de questionar para apenas aceitá-lo tal como é, na certeza de que nada do que você pensa a respeito poderá alterar-lhe a natureza, independentemente de se acreditar nele ou não, ou de que o compreendamos ou não. Você apenas se vê parte indissociável desse todo e consciente da sua pequenez diante de algo tão maior, e segue em frente. O sentimento interno de aceitação que se instala em seguida torna ainda mais inócua qualquer tentativa de explicá-lo.