O universo das Histórias em Quadrinhos (HQs) começou a se desenvolver a partir do momento em que pessoas decidiram desenhar, em quadros, acontecimentos do cotidiano. Ainda que, a princípio, as imagens representassem somente homens ou animais e que o suporte material fosse a parede de uma caverna, já existia a intenção de transmitir uma sequência de eventos.
As histórias em quadrinhos que estão presentes na atualidade, com balões de fala e de pensamento, com onomatopeias, com imagens coloridas ou em preto e branco, no entanto, são bem mais recentes do que a Pré-História.
No ano de 1895, a tirinha The Yellow Kid inaugurou a forma de contar histórias a partir de quadrinhos e balões de fala. Eram jornais sensacionalistas ingleses que a publicavam, atingindo o público letrado por meio da linguagem escrita, mas também o público analfabeto, que poderia compreender a história a partir das imagens.
Os principais temas eram críticas à sociedade ou às mudanças tecnológicas que alteravam a forma de vida das pessoas. A linguagem era informal, para trazer naturalidade ao gênero, e para se aproximar do público. A recepção a essas diferenças de estilo, porém, não foram bem recebidas pelas pessoas da época.
Se naquele tempo julgavam que as HQs eram uma má influência para crianças e adolescentes, por conter linguagem inapropriada e por tratar de temas que não diziam respeito aos jovens, a visão que prevalece no século 21 é a de que os quadrinhos são importantes para esse público.
Com histórias sobre super-heróis, sobre períodos históricos, sobre questões filosóficas ou sobre situações engraçadas, os quadrinhos exploram diversos temas, universos, estilos de desenho e de escrita. As histórias produzidas nesse gênero se aproximam até mesmo da linguagem cinematográfica, que consiste em narrar algo a partir de várias cenas.
Dessa forma, as histórias em quadrinhos são uma forma de abordar os mais diferentes assuntos com uma narrativa atraente, chamativa e, por vezes, lúdica. Essas qualidades são essenciais para a formação de crianças e de adolescentes. Os textos de livros didáticos, por exemplo, podem ser cansativos e extensos, enquanto as HQs apresentam a criação de um universo próprio e simples para narrar uma questão.
No Brasil, há obrigatoriedade do uso de histórias em quadrinhos no processo de educação e alfabetização de estudantes. É o que definem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), nos quais o uso desse gênero textual é justificado pelo auxílio que ele promove para a compreensão da linguagem escrita e para a interpretação de imagens.
Para Luciana Begatini Silvério, pesquisadora da área de educação do Instituto de Pós-Graduação Garso, as histórias em quadrinhos são fundamentais no processo de alfabetização. Ela defende que “nas HQs, os recursos de imagens, expressões dos personagens, letras e metáforas visuais ajudam a ter maior compreensão do que a criança está lendo”.
A dissertação de mestrado da pesquisadora, apresentada em 2012 na Universidade Estadual de Londrina, contou com uma pesquisa de campo com docentes e discentes da rede municial de uma escola do Paraná. Entre os 58 participantes da pesquisa, 30 apontaram as histórias em quadrinho como um dos gêneros preferidos de leitura.
Silvério determina que essa predileção se dá pelo estilo das HQs: “As histórias, em geral, são divertidas, somadas ao colorido das imagens. E temos gibis com histórias bem curtas, de uma página, e para uma criança ler fica uma leitura mais prazerosa”. Um exemplo disso são os gibis da Turma da Mônica, conhecidos em todo o Brasil, com personagens carismáticos e divertidos.
Ainda que a eficácia das histórias em quadrinhos seja comprovada no processo de aprendizagem, ainda há professores e professoras que não fazem uso desse recurso. Em entrevista à Revista Educação, em 2014, Maria Angela Barbato Carneiro, professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação da PUC de São Paulo, identificou que isso decorre de dois fatores.
O primeiro fator que desestimula professores a usarem HQs em sala de aula é que muitos podem não estar habituados a esse recurso. Sem total conhecimento sobre esse gênero, o docente não se sente seguro para utilizá-lo em sala de aula. O outro fator é a perspectiva de que histórias em quadrinhos só servem para um momento de lazer, sem a possibilidade de serem usadas para ensinar e para aprender.
Apesar disso, os professores que fazem uso desse método utilizam exercícios que pedem a interpretação do texto da história em quadrinho, a análise das expressões de cada personagem, a identificação de possíveis desvios gramaticais ou até o aprendizado de onomatopeias.
Um exemplo desse tipo de aplicação das histórias em quadrinhos na sala de aula é a série de exercícios que pedem que as falas do personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, sejam escritas de acordo com a gramática normativa. Uma vez que o menino troca a letra R pela letra L, a criança deverá fazer essa troca ao ler a história.
Tirinhas de personagens como Mafalda, Calvin e Haroldo, Níquel Náusea e Asterix e Obelix estão presentes em muitas atividades de Língua Portuguesa e até de Humanidades, visto que muitas das tirinhas também abordam eventos e acontecimentos de todo o mundo de forma clara e lúdica.
Para garantir que as escolas tenham acesso às obras produzidas por esse gênero, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) disponibiliza o acesso às histórias em quadrinhos para escolas públicas. Uma vez que o recurso está disponível, o papel de cada educador(a) é o de se atualizar e incorporar as histórias em quadrinhos no aprendizado das crianças.
Além do trabalho que deve ser feito nas escolas, é possível que as histórias em quadrinhos sejam incorporadas ao ambiente familiar. Uma criança pode acreditar que está só vivendo um momento de lazer ao ler uma história desse tipo, mas, na verdade, estará aprendendo com ela.
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A introdução ao interesse pela leitura e à capacidade de criar e de imaginar pode ser construídas por meio das HQs. A família de uma criança pode incentivar esse tipo de conhecimento presenteando-a com gibis, lendo com ela e explorando também todas as vantagens que esse mundo traz para os pequenos.
Os benefícios que as histórias em quadrinhos trazem para as crianças são parecidos com os que trazem para os adolescentes e para adultos(as). Há HQs sobre os mais variados temas e assuntos, existindo em grande quantidade aquelas que abordam acontecimentos históricos, reportagens ou questões mais presentes entre adultos.
Alguns exemplos de HQs que têm adolescentes e adultos como público-alvo são Maus (aborda o nazismo), O Enterro das Minhas Ex (sobre sexualidade), Deslocamento (trata de questões ligadas ao envelhecimento) e Entre Umas e Outras (para quem precisa pagar contas).
Essas histórias em quadrinhos têm como função informar sobre um fato, provocar reflexões sobre a vida ou instruir as pessoas sobre alguma necessidade da vida adulta. A vantagem é que tudo isso é feito por meio de textos e imagens, tornando a leitura prazerosa e bem-aproveitada.
Até mesmo no ensino superior as histórias em quadrinhos podem ter serventia. Por meio delas é possível analisar o uso das imagens para construir uma narrativa, como explorar a simplicidade da linguagem para tratar de assuntos complexos e quais são as formas de tornar o conhecimento mais acessível.
Assim, docentes e discentes de universidades podem recorrer às HQs para aprender sobre fatos históricos e também para transmitir as pesquisas que desenvolvem. Essa é a ideia defendida por Nick Sousanis, um matemático cartunista da Universidade de Columbia, que apresentou sua dissertação de mestrado toda feita em quadrinhos, em 2014.
Para Sousanis, “a ciência precisa de recursos visuais para ser melhor compreendida pelo público”. Um aliado do matemático nessa linha de pensamento é Matteo Farinella, da Universidade de Columbia, neurocientista e co-autor da HQ Neurocomic, lançada em 2013. O cientista explica que “os quadrinhos são vistos como uma ferramenta apenas para tornar a ciência mais divertida e acessível às crianças, mas podem ser usados para falar de assuntos complexos”.
No que diz respeito ao uso das histórias em quadrinhos para abordar esse tipo de assunto, o estadunidense Joe Sacco lidera o segmento. O jornalista lançou, em 1993, uma HQ nomeada Palestina para explicar os conflitos no Oriente Médio. Essa obra foi a que inaugurou, em 1996, a categoria jornalismo em quadrinhos, ao ser reconhecida como uma forma diferente de produzir reportagens.
Os quadrinhos baseados na realidade são ideais para as pessoas que buscam uma compreensão aprofundada sobre as questões mundiais, mas que não gostam de ler longos textos sobre o assunto. O uso dos quadrinhos para o aprendizado de adolescentes e de adultos é o caminho para disseminar informações confiáveis e com estrutura acessível para a maior parte da população.