Convivendo Educação

A importância de tornar-se inútil

woman doing yoga meditating in the lotus position with his back to nature in the summer
Escrito por Rafael Mansur

Tem dia que eu travo, minha cabeça não funciona mesmo, às vezes fica travada por semanas. Aí eu fico vagando, só o corpo – nem sei para onde vai a mente e a alma. Não produzo mesmo. Quando eu falo ‘travar’, é travar 100%. Para quem trabalha principalmente com a mente, é difícil, a gente fica sem funcionar.

Aconteceu isso esses dias, travei. Devo ter ficado umas três semanas dessa vez. Parece papo e desculpa de preguiçoso.

Pode até ser.

Mas enquanto ninguém provar o contrário, prefiro acreditar que eu travei.

Quando se fala em produção, a gente tem três caminhos: produzir e trabalhar, travar ou procrastinar. A procrastinação é uma linha bem tênue entre travar e produzir. Nem todo mundo sabe procrastinar. É uma arte – ou uma ciência, mas é, sem dúvidas, um campo que merece muita atenção.

A gente tende a demonizar os que não fazem nada, os procrastinadores, os travados, os improdutivos. Queremos mesmo é gente hard work, workaholic, a gente quer é Bel Pesce acordando às 6h e ir dormindo 0h50m.

A gente inveja quem corre cedo, umas 7h, antes de ir trabalhar. Depois trabalha bem, e almoça só salada e proteína, e cuida da família, está com as contas no débito automático e ainda tem a vida social invejável. A gente vê e pensa: “Nossa, como aquela pessoa tem a vida ativa, bem-sucedida.” A gente depois pensa: “Como eu sou bobo, parado. Não dou conta de sair de casa no sábado, fico deitado”.

Making plans for new day. Beautiful young woman holding coffee cup and looking through window while sitting at windowsill at home

Eu já pensei que era improdutivo, já passei por treinamento de coaching, assistia webinário e fazia exercício para aumentar minha concentração, dormia colocando celular para despertar cedo e correr, fazia marmita com bifinho de soja e queijo branco. Até livro de autoajuda escrito por executivo eu li.

Bobagem, tudo bobagem. Um dia descobri que isso de alta performance e produção hard work é tudo bobagem.

Eu posso (e quero) dormir mais.

A gente tem que parar é de ocupar o nosso tempo 100%. Enfiando atividade em todas as janelas do nosso dia. Janelas, aliás, são ótimas. São as janelas que nos mostram outros caminhos, outras possibilidades, outros horizontes. Janelas são necessárias.

O primeiro passo para libertar qualquer criança é libertar o adulto, é desocupar-se.

É o ócio, a procrastinação e a travada que nos permite crescer. Eu garanto a você o seguinte: ocupe o seu tempo por completo e você entrará no automático.

Como se não bastasse, a gente começa a ocupar o tempo das crianças. Dá-lhe aula de ballet, taekwondo, inglês, cursinho de matemática, joguinhos pedagógicos, escola, eucaristia e tudo mais.

“Cabeça vazia é oficina do diabo, hihi”, repete a mãe enquanto matricula a criança no curso de empreendedorismo infanto-juvenil. Deixa a criança desocupada, deixa essa oficina – seja lá de quem for – vazia. Deixa a criança olhar perdida, se imaginar outra coisa, se imaginar nada, não fazer nada, fazer muito.

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Tornar-se inútil sem medo. Aproveite que está lendo este texto no melhor lugar do mundo para procrastinar e comece agora mesmo. Sugiro, por sinal, o Youtube. É um bom começo.

Sobre o autor

Rafael Mansur

Graduado em pedagogia pela UEMG com MBA em gestão de projetos pela USP, Rafael Mansur desenvolve projetos educacionais há oito anos e culturais há seis. Premiado nacionalmente por quatro projetos de educação, Rafael é o idealizador e curador da Bienal do Livro de Contagem, que segue para a sua terceira edição.
Em 2020, Rafael assumirá a curadoria do I Congresso Internacional de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (Belo Horizonte) e a curadoria de uma das casas parceiras
da Flip 2020.

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