Acabo de inaugurar um sentimento. Ainda não sei nominá-lo, nem lidar com ele. Por hora, faço o exercício de dar-lhe língua e senti-lo entre dor e vergonha.
Na foto, a obra que estou produzindo: um bordado como monstruosidade de forças.
Sofri um impacto inesperado e inédito em minha biografia. O modo como o senti, me fez perceber que mesmo já tendo passado pelas mais diversas experiências, nestes quase sessenta anos de vida, ainda foi possível inaugurar sentimentos. Essa novidade me fez desconhecer-me e estou na tentativa de aprender a lidar com ela. É no exercício de aprendizagem desse inédito que escrevo essa crônica, a procurar ver as linhas de força que constituem o fenômeno e que, a princípio, fizeram-me ter vergonha do sentido.
O episódio aconteceu em um dos grupos de estudo que coordeno. Os fios, a vontade e os signos nas artes tecelãs. O grupo tem ênfase nas artes plásticas e por isso atrai pessoas da área. Entre elas, uma artista renomada, de circulação internacional, a qual admiro imenso.
Uma das propostas do grupo é que, enquanto estudamos, executamos um projeto artístico, em artes tecelãs, inspirado pela tensão entre os textos de Deleuze, em Proust e os signos, e de Bachelard, em A Terra e os devaneios da vontade. Na apresentação da proposta, durante o primeiro encontro, expus uma obra minha que já estava em andamento. Chamei-a de “Um bordado como monstruosidade de forças”, fazendo referência, a partir de Nietzsche, às forças que constituem o mundo. Nele, teço diferentes linhas, fios e lãs, com uma técnica criada por mim, em estilo bem singular.
No segundo encontro, os participantes expuseram seus projetos, alguns já iniciados, outros ainda no papel. Foi quando a artista renomada apresentou sua proposta: era uma cópia exata, inclusive a paleta de cores e os materiais, da minha obra.
Estou bastante acostumada que alunos imitem meu estilo literário, muitos chegam a usar tão bem meu vocabulário e temática que, quando os leio, fico em dúvida se foram eles ou eu quem escreveu. Isso nunca me chateou. No entanto, a falta de potência e a tristeza que senti ao ver aquela artista incrível tomando como sua aquela produção, foi como se tivesse a alma sugada. Perdi as forças e, à pergunta feita por ela, se eu estava confortável com aquilo, só pude responder: “Eis o destino da docência”.
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Depois disso, por mais que tente racionalizar, dizendo que, independente da cópia, a obra que eu fazia era expressão do meu desejo e só isso importava. Não consegui voltar ao bordado. Paralisou-me a vontade. Seria ego? De onde vem a vontade de inédito?