Há um momento na vida em que olhamos para o agora e, ao compará-lo com tudo o que ficou para trás, desejamos que fosse como antes. Quando se pensa dessa, forma associando-o às nossas lembranças de infância ou em meio à busca pela plenitude social não há nada mais comum, visto que temos a mesma sensação a cada momento novo da vida, quando a “olhada pelo retrovisor” vem sempre cercada de muita nostalgia. Esse momento de agora, porém, é muito mais específico, levando-nos a acreditar que acontece uma única vez e que bem poderia ser entendida como quando “cai a ficha” de que o mundo – esse mesmo que continua girando à nossa volta – não é mais o nosso!
E aí nos vêm muitas perguntas à mente: “Será que isso acontece com todas as pessoas que vieram antes de mim? Será que todas passarão pelo mesmo processo ou estará reservado apenas a algumas poucas?…” Independentemente da resposta certa, o mais importante é tentar diferenciar – pelo menos no nosso caso específico – esse “momento especial” que o distingue de todos os outros que provocaram nostalgia no passado, uma vez que o descobriremos muito diferente dos demais. A começar pelo fato de os anteriores se terem apresentado como uma rápida parada no “pit stop” antes de seguir na corrida, enquanto este de agora se revela como algo inédito e inesperado em relação a tudo o que já se experimentou. Simplesmente acordamos numa manhã, aparentemente igual a todas as outras, e as perguntas começam a surgir no “piloto automático”, sem que encontremos respostas para nenhuma, o que, por si só, não é o mais comum de ocorrer.
O sentimento que antecede à catarse mental que sobrevém em seguida é o de uma espécie de “saturação intelectual”, quando parece que todo o conhecimento que buscamos acumular durante toda a vida deságua numa única questão na cabeça: “Tudo bem, você está onde sempre quis estar! E agora?” E esse é o momento em que você olha para frente e não consegue enxergar nem um palmo adiante do nariz, só lhe restando mergulhar de corpo inteiro no retrovisor.
É um momento terrível, posso assegurá-lo, e absolutamente solitário, porque não adiantará buscar por pessoas à sua volta para ajudá-lo a entender o que está acontecendo porque não haverá ninguém. E não é difícil entender o motivo: os que ainda não o viveram não têm a menor ideia de como ele se mostra, e os que já o viveram não terão qualquer interesse em compartilhar com você o que descobriram; não porque queiram lhe sonegar a informação, mas simplesmente porque estão conscientes da inutilidade de fazê-lo já que, justamente pela experiência, possuem a exata dimensão de que nunca acontece de forma igual para cada um e não estão mais em estágio de perder tempo tentando explicar o inexplicável. Só lhe restará amargar ou gozar conforme a sua visão de mundo caso consiga sobreviver a esse momento tão… exclusivo, único, sei lá, se até o adjetivo para nomeá-lo se revela difícil de encontrar.
Dito dessa forma, parece até haver-se atingido junto o ápice da soberba: “Ora (direis) ouvir estrelas!” Coisa de quem acredita haver transposto o umbral do conhecimento para a certeza do universo. Acreditem, entretanto, que toda a convicção que se obtém agora não vai além da velha frase de Sócrates dita 400 anos antes da era cristã: “Só sei que nada sei!”. É, porém, um “nada sei” daquela saturação inútil mesmo, e não do apogeu de coisa alguma! O sentimento é de que se passou a existência inteira perdendo um tempo precioso com acúmulo de uma “ciência” que não lhe servirá para coisa alguma a não ser levá-lo de volta ao ponto de partida.
O pior de tudo, no entanto, não é o reencontro com a linha de largada, mas saber que reiniciar a trajetória estará longe de representar nova possibilidade de êxito e apenas tomar consciência do “looping” que é nossa existência neste plano. Se existe algo que possa ser definido como “plenitude do nada”, então a sensação é exatamente esta: “Alegre-se! Você acaba de atingir a plenitude de porra nenhuma!”
O momento é o daquele “e daí?” gigantesco! O maior da sua vida insignificante e inútil, independentemente do tamanho do patamar atingido se comparado ao de nossos parceiros de jornada. Hora do balanço? Pode esquecer! Todo balanço pressupõe a consciência dos equívocos para se seguir na jornada, e na sua frente não há mais caminho a ser trilhado (pelo menos não um que se consiga enxergar). Essa sua parada não é seu “pit stop” para troca de pneus, é a linha da chegada, pura e simplesmente, e não do modo convencional, que é o de a atingirmos: é que sempre surpreende você quando a imaginava distante o bastante para visualizá-la e se depara com ela à sua frente!
Isso é bom ou é ruim? Assume sentido de vitória ou de derrota? Nunca o saberemos! E não fará diferença saber, porque não vai mudar coisa alguma. “A verdade não muda porque acreditamos ou não acreditamos nela”, já dizia Giordano Bruno, e agora você sabe de onde é que essas pessoas tiram suas frases. Com certeza foi num momento exatamente igual ao que você está enfrentando agora, levando-se em conta aquele “igual” exclusivo, em que a única coisa que permanece absoluta é a relatividade de tudo!
Esse momento tem uma característica que, por si só, já compensa todo o resto, que é o dos contraditórios. Mais especificamente, o seu momento do contraditório! E você sabe que não precisará se ocupar com entendimento por quem o lê porque não será compreendido por qualquer outro que não o esteja vivenciando ou que já tenha passado por ele em algum momento da vida. Traduzindo, entretanto, em “linguagem leiga”, pode-se dizer que é quando tudo o que você tinha como real se desfaz em irrealidades, o que parecia concreto se converte em intangível, e o que parecia verdadeiro revela sua face ilusória, essa, sim, que é a única que esteve o tempo todo sendo mostrada a você.
Ah! Nada disso parece novidade para você, não é assim? Você já ouviu falar disso nos textos de Vedanta que leu, nos cursos de Yoga ou nas aulas de Tai Chi. Pois espere para ver que naquela ocasião você nem sonhava em como seria! Você os descobrirá nesse dia como caquinhos de uma imensa peça de cristal espatifada ao solo que nunca poderá reunir para descobrir que formato tinha. Tentando explicar isso é como se, mesmo colando todos esses caquinhos e ao ter a peça inteira remontada diante de si, se constatasse não ter a menor ideia do que ela representa.
É exatamente assim que você vai se sentir quando se deparar com esse meu Agora na sua própria linha do tempo! Percebeu a inutilidade, portanto, dessa tentativa de descrevê-lo a você? Por que, porém, o estaria tentando, então? Na realidade, não significa uma tentativa de descrição, mas o gesto do semeador que joga sementes da janela do trem: elas caem aleatoriamente pela margem da linha férrea das quais só algumas vão brotar, mais especificamente só as que tiverem seu estágio de maturação compatível com a fertilidade do terreno naquele exato momento.
E tem mais uma coisa: não resta a menor dúvida de que milhões de cabeças nunca o vivenciarão em nenhum momento da existência. E nem pense que seja um novo surto de soberba, pois quando – e se – você o viver, descobrirá que cada um de nós nasce e morre absolutamente solitário em sua trajetória, o que não tem nada a ver com o número de pessoas que está ao seu redor. É como se pudessem se perceber naquele momento histórico em sua dimensão física, mas na “interna” ou espiritual, se assim quiser vê-la, e habitassem universos paralelos. Você olha agora para essas pessoas e nunca mais, em tempo algum, voltará a vê-las compartilhando o mesmo mundo que você. Adquire o entendimento de que se encontram em dimensões diferentes compartilhando apenas o espaço físico onde seus caminhos se cruzam num determinado lapso de tempo, mas sem seguirem para o mesmo destino. Se consegue pensar em si mesmo na Moldávia tomando o metrô com aquelas milhares de pessoas que você nunca reverá, então é exatamente assim que passará a ver as demais! Cada uma delas saiu de um ponto diferente, percorrem juntas um curto trecho da linha e, quando saltarem, seguirão para destinos que nunca os reunirão de novo.
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Se ainda não lhe ficou claro, complete o entendimento visualizando as pessoas dentro de um shopping, as quais saem dos múltiplos pavimentos para descer ao seu lado as escadas rolantes da praça central. Você nunca saberá quem são, de onde vêm e para onde vão, já que se cruzam circunstancialmente, não é assim? Agora troque os pisos por níveis evolutivos e as lojas que buscam em cada piso pelo alcance máximo que podem atingir, para que você esteja próximo do que estou tentando dizer com relação à solidão das nossas trajetórias… Todos, sem exceção, cumpriremos apenas a nossa, aquela de nosso estágio evolutivo, nem um milímetro a mais, queiramos ou não. E a cada vez que desejarmos acompanhar a trajetória alheia, a tentativa resultará em enorme frustração.
O que posso dizer é que estou atravessando o momento de desconstrução de todas as “verdades” humanas que me foram transmitidas, além das que construí por mim mesmo. Esse momento, portanto, é comum aos que buscam por conhecimento durante sua trajetória, mas nunca será igual entre dois deles, como não será vivenciado pelos que estão nos estágios abaixo antes de atingirem o mesmo piso. A questão que fica ao fim de toda essa reflexão é somente esta: quantos andares ainda serão necessários para subir e o que se encontrará naquele que está exatamente acima de minha cabeça?