Eles já estavam aqui muito antes de os “descobridores” chegarem. Os verdadeiros donos de “terra brasilis”. A própria palavra “indígena”, oriunda do latim, reconhece esse direito: “natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria”. Se existe uma origem que podemos reclamar como nossa, essa origem é a indígena. Somos, antes de mais nada, filhos dos filhos legítimos desta terra.
O Brasil historicamente passou a “existir” somente depois que os portugueses pisaram aqui. Não há que se falar em descoberta se já havia nativos em todas as extensões do continente americano, desde épocas mais antigas do que a história de quem se intitula “descobridor” do país.
Para os estrangeiros, foi um feito histórico. Para os indígenas, um massacre. Na época em que os desbravadores europeus aqui chegaram, havia por volta de 5 milhões de índios. Os portugueses trouxeram a dizimação desses povos – seja por meio da violência em nome da dominação, seja pelas doenças até então desconhecidas e para as quais os indígenas não tinham solução.
A história contada por quem “vence”
Para o europeu, obviamente, colonizar o Brasil teria sido um grande feito. Uma conquista heroica. Catequizar e submeter o povo indígena era uma consequência dessa visão vitoriosa portuguesa.
Mas temos que ser mais críticos e confrontar até mesmo o que os livros de História contam: isso foi bom para os indígenas? Por que não aprendemos nas escolas o outro lado da história, mais realista e contado por aqueles que foram massacrados, escravizados e surrupiados de sua própria cultura e crença?
Os bandeirantes, tidos como heróis inclusive nos dias de hoje, organizavam expedições que alguns historiadores consideram verdadeiras caças humanas. Nessas expedições, afirma-se que não só recolhiam índios para serem recrutados para o trabalho escravo, como também atacavam indígenas que se contrapunham a essa opressão e debelavam quilombos.
Até hoje lidamos com uma dualidade sobre esses personagens que foram idealizados historicamente, porém muito tempo depois de sua existência. Então criou-se a construção de um mito, já que a história passou a ser contada pelas elites.
O apagamento da existência indígena
Por outro lado, o indígena sempre foi visto como o “selvagem”, aquele que precisaria ser civilizado e moldado conforme os costumes europeus. Tudo, claro, contra a sua vontade.
Essa civilização compulsória retrata um dos maiores abusos na História do Brasil: chegam os homens de outro continente, aniquilam os verdadeiros donos da terra, transformam e destroem sua cultura, pisoteiam nas suas crenças e lhes retiram todos os direitos de usufruto.
E essa dominação foi a porta que se abriu trazendo um apagamento da existência indígena, relegando os nativos brasileiros a “pedaços de terra” – isso depois de muita luta. Tomaram o que era seu, depois lhes cederam uma área delimitada para que pudessem viver o que restava de sua cultura.
Nos dias de hoje
Até hoje o indígena luta por sobrevivência, dependendo de organizações que mantenham seus direitos sobre aquilo que lhe foi tomado. É como se alguém tomasse a sua casa e depois lhe alugasse um quarto.
Dia após dia, ele é massacrado por políticas que não visam em nenhum momento a um benefício para sua existência. Nos últimos anos, a discussão sobre as questões da terra tem se revertido para conflitos violentos. Em 2019, a proposta de demarcação de terras indígenas trouxe o risco de mais uma redução de território para os nativos. E foi, em mais de uma década, o ano em que ocorreu o maior número de mortes de lideranças indígenas.
O que se vê na atualidade é a perpetuação de lutas sangrentas, em que o lado mais fraco – o índio – se vê sempre dizimado, reduzido a uma não existência que apaga também tudo aquilo que somos.
A visão equivocada
Nossa base de estudos, especialmente de História, sempre foi voltada para as conquistas europeias, a origem maior da nossa língua (o latim, o mesmo que define o termo “indígena”), mas fala rasamente, em poucas páginas dos livros de gramática, sobre a contribuição indígena para o nosso vocabulário.
Nas aulas de religião, você provavelmente viu ser abordado o catolicismo ou religiões similares. Só se lembrou do índio no dia em que nós convencionamos ser dele: 19 de abril, que nem feriado é. Quando pretensiosamente éramos impelidos a vestir cocares e roupas feitas de pena, pintar o rosto e bater na boca, como se estivéssemos “imitando” a forma como os índios se comunicam. Não é culpa nossa, mas é uma visão completamente equivocada da realidade.
Agora, certamente você não deve ter ouvido falar do Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, que tem uma razão de ser muito mais engajada. O dia 7 de fevereiro é o dia em que devemos fortalecer nossa conscientização sobre a luta desse povo. Uma data que homenageia o líder indígena Sepé Tiaraju e sua luta contra a dominação portuguesa e espanhola em terras gaúchas e pelo direito à terra, em pleno século 18. Essa é uma data que merece a nossa atenção, para que nossa consciência seja diária, contínua.
Devemos aprender com os indígenas
Precisamos encarar a questão da luta indígena como um problema do país inteiro, de todos os brasileiros. A terra que habitamos era deles, foi cuidada por eles. A conexão deles com o meio ambiente, o uso das florestas de forma a preservá-las, a espiritualidade ligada à natureza, tudo isso é um aprendizado para nós, que não respeitamos a mãe terra, que consumimos tudo com o fogo da nossa ambição.
Estamos matando o planeta e acabando com os recursos, em nome de uma dominância predatória. A mesma que trouxe os europeus ao Brasil em busca de ouro e outras riquezas naturais, resultando na subjugação e morte de outros povos considerados por eles como inferiores. E até hoje essa visão é perpetuada, infelizmente.
Os europeus é que deveriam ter sido “catequizados” pelos índios, mesclando as crenças, considerando os ensinamentos e conhecimentos desses povos, em vez de atropelar sua cultura, apagando e escrevendo por cima dela. Aprenderiam a cultivar e viver em harmonia com a terra, saberiam tirar e doar. Coexistir.
Os indígenas são os verdadeiros mestres. E é com eles que precisamos aprender. Aprender a estar no meio da natureza sem deteriorá-la, a ser parte dela – o que de fato somos – a nos integrarmos a ela com mais espiritualidade. Deveríamos ter absorvido a energia indígena, aprendido mais a sua cultura e as suas crenças. Assim teríamos uma visão mais respeitosa sobre a natureza e dificilmente nos encontraríamos em uma situação de degradação ambiental que parece irreversível.
Busca de reconexão com as origens
Só conseguiremos retomar nossa conexão com essas origens se soubermos da importância da luta dos povos indígenas, que é diária e longa – são mais de cinco séculos em busca de manter aquilo que é seu direito.
Em primeiro lugar, precisamos entender de fato a cultura indígena. Não devemos esperar encontrar isso nos livros. Mas sim no convívio com esse povo, aprender sobre sua história, suas crenças, sua forma de existir no mundo e sua relação com a mãe terra.
Nossa conexão existe, só está lá adormecida, pela força de uma cultura dominante, mas que não é uma exclusividade na nossa história. Temos sangue europeu. E muitos se sentem orgulhosos disso, muito mais do que do sangue africano ou indígena. Mas também temos sangue ianomâmi, guarani, tupinambá, caiapó, charrua, tupiniquim, xavante, ticuna, pataxó, guajajara, caxinauá e muitos outros. Somos filhos desta terra, assim como são os indígenas. Estamos conectados – pelo sangue e pela terra.
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Devemos ser resistência junto com eles. Trazer para dentro de nós a integração com a cultura e a religião indígena. Eles são a verdadeira conexão com nosso solo, com as nossas origens. A luta indígena é uma luta de todos nós.