“Ninguém quer a morte, só saúde e sorte”, cantou o poeta Gonzaguinha, contudo, boa parte das pessoas passa a vida na linha de montagem como bem mostrou Charles Chaplin em Tempos modernos há quase um século, trabalhando mecanicamente até a exaustão sem saber porquê ou para quê; ontem e hoje, na roda do consumo, caminha-se como autômato, solitariamente, substituindo o convívio e o amor por produtos, vivendo vidas secas, entorpecidas pelo cansaço ou na busca de algum naco de prazer nas drogas.
As queixas no consultório remetem a transtornos decorrentes do estresse, da ansiedade, depressões ou referem-se diretamente a uma falta de sentido na vida; não raro, a doença já se instalou no corpo físico, sem que se saiba de onde apareceu como a nos lembrar da nossa impermanência.
E a morte é uma luta inglória e uma causa perdida; por sua vez, aceitar o efêmero de nossa existência, e mesmo assim, vivê-la em plenitude apresenta-se como o grande desafio do ser humano. Animais não têm crises.
Na luta entre as forças da vida e as forças da morte, Eros e Thanatos, como escreveu Freud, a despeito de tudo o que nos ocorre, escolher a vida e fazer dela uma permanente criação exige coragem, um assunto abordado pelo psicólogo existencialista Rollo May. O autor lembra, contudo, que a busca pela verdade e pelo sentido tem um preço, o sujeito, ao afirmar aquilo que lhe é caro no mais íntimo de sua alma, se coloca em uma luta contra o sistema, instituições e valores dos quais a sua própria família participa, recebendo um duro estigma, tornando-se a “ovelha negra” – como se dizia em outros tempos – ou o zigoto errado, enfim, a sociedade (e a família) é capaz de muita crueldade. Por isso, boa parte das pessoas fica buscando se adequar, não causar, não brigar… E dá-lhe engolir sapos que se instalam no corpo e adoecerão a alma.
A coragem para criar o novo parte de um sentido de inadequação e de um visceral mal-estar com o status quo, com aquilo que socialmente se coloca como certo, legal, bonito e bacana, contendo uma profunda rebeldia contra a dor, o desespero, o desalento e o sistema.
Todo o movimento por direitos civis na América do Norte, direitos reprodutivos e sexuais, lutas por igualdade entre homens e mulheres, e ampliação da democracia nos últimos 50 anos exigiu muita coragem de seus participantes, tal como a de Rosa Parks, uma mulher negra que, em 1955, decidiu não ceder o seu posto no banco de um ônibus para que um branco sentasse, denunciando a opressão da segregação racial nos EUA. Fato que lhe custou a prisão.
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Ao agir em dissonância às regras e valores vigentes o sujeito passa a ser visto como louco ou rebelde, pois frequentemente os questionamentos não bem-vindos, uma vez que incomodam as ovelhas que querem seguir no conforto do rebanho como observou Nietzsche (2009); ao não aceitar a norma, o que é socialmente determinado e estabelecido, o indivíduo torna-se perigoso. Haverá uma tentativa de enquadrá-lo ou cooptá-lo; se for rico e genial, a indústria lhe fornecerá altos salários e seu gênio criará novos produtos, se não for e insistir em não se moldar, há grandes chances de cair em cana ou ser medicado com remédios para diminuir a sua impetuosidade e dessensibilizá-lo das dores da vida ou ser jogado em uma comunidade terapêutica de métodos para lá de duvidosos.
A exclusão do que causa incômodo é uma ferramenta do sistema, mas é surpreendente perceber que as pessoas compactuam com a doença e o sofrimento, em lugar de aceitar a ousadia de viver com coragem a própria vida e a verdade de sua alma.