Sou rezadeira. Daquelas que pedem-pedem, explicam aos céus tim-tim por tim-tim o que querem, como se lá em cima não tivesse visão panorâmica. Uma boba. Quem já leu um pedacinho de um escrito antigo que diz “olhai os lírios no campo”, deve saber que atitudes como a minha é pura falta de fé. No entanto, tenho medo de não pedir. Tenho pressa de dar certo e não consigo perder tempo agradecendo o que recebo diariamente, que, com certeza, é bem mais do que faço por merecer.
Sim, rezar está diretamente relacionado com meritocracia e outras ilusões do tipo. Estou me esforçando para melhorar, mas ainda bem distante da meta desejada: um olhar mais agradecido ao que tenho e sou. O poder da oração é um assunto bastante pertinente para se tratar na quaresma. Muitas pessoas intensificam suas preces nessa época do ano. Eu sou uma delas. Na Quarta-feira de Cinzas, começo o que chamo de “Oração da Quaresma”. Escolho um horário fixo e escrevo uma oração, onde procuro trazer os pontos de desafio: confiança, alegria, entusiasmo e agradecimento. Neste ano, queria dar ênfase ao agradecimento. Minha intenção era agradecer mais, pedir menos. Não deu.
Relendo minhas ladainhas, vejo que enfatizei – novamente – as questões sociais e financeiras. É um desafio. Quando vou aprender a agradecer? Fico me justificando, acusando a crise mundial pela minha falta de humildade e gratidão. Mas, agindo assim, não engano nem a mim mesmo, quem dirá os benfeitores espirituais? Pois vejam só o que aconteceu: um dia, no começo de março, logo na primeira semana da quaresma, eu estava um pouco desgostosa, reclamando que “as coisas nunca dão certo”, quando resolvi dar uma olhada no que estava anotado nos cadernos de artífice de outros anos, nessa mesma época.
É aí que percebo a força do cadernão-diário-agenda como agente histórico-terapêutico. Revi minha situação na quaresma de 10 anos atrás, espantada e incrédula, fui verificar o que eu clamava há 15 anos. A quantidade de desafios, doenças, crises que haviam sido superadas de lá para cá eram tamanhas que, imediatamente, comecei a chorar e agradecer. Fiquei muito envergonhada da minha ladainha pedinte de agora e do equivocado sentimento de órfã dos protetores do céu. Porém, acreditem, continuei com ela. Sem alterar em nada o teor de agradecimento nela contido: apenas duas linhas em três páginas.
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Será por quê? Me pergunto, enquanto escrevo aqui. Sei bem, mas custo admitir: pura falta de confiança e apego ao pedir-pedir. Quando vou perceber que tenho muito mais a agradecer do que a pedir? E pior, pedir para quem? Está na hora de crescer e perceber os modos de subjetivação implicados em crenças de um dono do céu que dá coisas para quem pede e é merecedor. Francamente…