Na trilha dos meus pensamentos, vou cavoucando argumentos para encontrar mais de Deus em mim. Olho meus traços marcados e penso que lembram os d’Ele. Pele, boca, nariz. Olho para o poder de minhas mãos sobre as coisas, modificando meu universo a cada pegar de um tudo. Não cobro das horas nenhuma alternância pros meus versos. De vez em quando, só peço para que meu peito esteja sempre aberto, assim como os riachos para todo e qualquer mergulho.
Ontem, olhando meu reflexo no rio, pensei que tenho traços de árvore e de folha. Mexi nos meus cabelos cacheados e lembrei dos caracóis que desbravam, lentamente, o chão úmido das terras, encontrando rastros de vida na mais sutil das criaturas. Quando criança, lembro que um deles já parou em minha mão para descansar. Me fiz cama durante alguns minutos para o ressonar daquele bichinho, que me olhava nos olhos com a sua confiança.
Às vezes, me pego olhando fundo em meus olhos. Paro e contemplo a profundidade dos meus pensamentos, experimentando o privilégio de ser eu. Imagino, nesses instantes, o quão esquisito deve ser alguém me olhar como eu me olho e não saber o que penso. Parece estranho, mas esse é o exercício de sair um instante de si para se observar. Como não dá pra descolar totalmente, me transformo em uma observadora de mim mesma, capaz de ler os pensamentos da observada. Sou duas em uma. E ainda degusto a magia de ter superpoderes, que levo para outras experiências, mesmo que de faz de conta. Leio o pensamento dos pássaros, das borboletas, das formigas. Gosto de me relacionar com os bichos pequeninhos da natureza, pois eles não me deixam esquecer a responsabilidade que tenho sobre meus poderes, sobre minhas decisões.
Nessas andanças de encontrar Deus em mim, reflito sobre a beleza de se encontrar perdida. De perceber o tanto de terra que fica nos pés depois de caminhar descalça. Se perder, vez que outra, das moradas da matéria, cocriando, em verso, novos motivos para ser. Esse balanço me leva longe, onde quase não dou pé. Mas é aí que volto a me olhar, com paciência, perdida, e aproveito esse instante para desamarrar as certezas para não correr o risco de ser sempre a mesma coisa.
Você também pode gostar
- Identifique por que Deus mora nos detalhes
- Reconheça que Deus está entre todos nós
- Entenda por que a Igreja não te aproxima, necessariamente, de Deus
E não sou. Sinto o gole do tempo que se embriaga de mim quando fico em silêncio. Ele me consome toda em sua eternidade, lembrando minhas verdades sobre sua inexistência. Eu gosto dele assim, despretensioso e manso. Quando penso que o tempo não existe, dou as mãos para ele e me refugio em sua realidade invisível, encontrando um pouco de Deus no seu infinito sem cobranças. Já estive lá e posso dizer que não existem relógios, ponteiros e nem nada que remeta a contagem. O tempo não se conta, se vive. Talvez o que mais se aproxime desse conceito cronológico que criamos sejam as marcas de nosso corpo. Aprendi a vê-las como divindades de minha jornada. Registros abençoados pelas águas dos rios, que marcam sua condição de estar sempre em movimento. Dançando.