Pode ser que uma chuvinha aqui e ali, em dias saltados no calendário de abril e outros meses, venham refrescar um pouco mais as almas das pessoas, pondo-as em suave torpor para a chegada do inverno, seus frios, ventos zangados consigo mesmos e para o triste adormecimento das cores que foram caprichosamente trazidas pelo sol e seus incontáveis cúmplices no gigantesco teatro da vida, no qual as cores são cenário e rios vitais.
As chuvas de março, filhas diletas do verão, e suas umidades despedem-se nos seus últimos trovões e faíscas para todo o lado nos céus, que a tudo aceitam como brincadeiras de deuses apiedados da ínfima condição humana e dos seus medos: é preciso roncar forte e chover de forma generosa para lembrar aos viventes que tudo vem e virá no tempo certo e que o único medo cabível é o do indecifrável: o do espelho se quebrar.
As águas de março deixam tudo prontinho para que o outono chegue silenciosamente e diga para os pontinhos de Vida que se espalham por todo o planeta que é chegada a hora da calma, da serena paz que sucede a efervescência dos calores e agitados movimentos que o verão e suas turbulências espalham pelos longos dias, nas noites nem tanto, porque tudo tem que ser luz, ardores e os amores efervescentes.
Há magia no começo e em todo o desdobrar do outono: as folhas despedem-se das árvores e as flores recolhem suas feições, as primeiras prometendo voltar e as flores certas de que não precisam prometer voltar, porque sabem que sem elas, a Vida não terá como receber a primavera na porta invisível em que as estações do ano entram e saem para reger a existência.
Os perfumes do outono são discretos, porque não ousam competir com os vórtices aromáticos do verão e não se permitem inibir os pálidos perfumes guardados no frio que virá a seguir. O outono é como aquele amor que vem depois dos amores de verão, imprecisos e devastadores nos seus incêndios, e que se submetem ao seu fugidio papel de paliativo para silenciar dores, proteger memórias, e deixar latentes as forças que se irradiarão para o novo amor que chega com a primavera ou que se reacende em incêndios do verão.
O outono é a paz onde bebem as sedes dos amores e se refazem as energias para novos e mais avassaladores amores, daí sua silenciosa e extraordinária magia. Olho, agora, para a janela que me fica às costas, no meu acolhedor e cúmplice escritório e vejo nos galhos da ameixeira que se prepara para multiplicar-se em milhares de frutinhas amarelas um pássaro que certamente estava me esperando apenas para me olhar fundo no olho e me piar um sussurro de “até breve, na primavera!”. Como não sei piar, apenas suspiro como resposta e coloco esse ponto final.
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