Convivendo

Acontece o que a gente tece

Mulher branca segurando novelhos e agulhas.
Arina Krasnikova / Pexels
Escrito por Nina Veiga

“Gente querida, alegria do encontro. Estou aqui, nesse ativismo delicado, por uma estética da vida viva”.

É com esse entusiasmo que Nina Veiga inicia suas apresentações cotidianas. Ela anuncia o dia, o nome do projeto, o tema e o número do encontro. Lá se vão 800 vídeos públicos e mais centenas de aulas e encontros não listados, num total de 1.580 vídeos, em apresentações ao vivo, eventos e aulas online.

Mestre em cultura e linguagem e psicopedagoga artística, Nina Veiga doutorou-se pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pela Universidade de Lisboa. É escritora e investigadora das artes-manuais e da literatura no IELT, Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.

Há mais de trinta anos, em seu ateliê pedagógico-terapêutico, cria peças e instalações em arte do fio, além de brinquedos inspirados no conhecimento antroposófico, a levar em conta a imagem ampliada do ser humano e as necessidades da criança contemporânea.

A urdidura sobre a qual Nina tece é composta de três elementos fundamentais: a antroposofia da imanência, as artes-manuais como processo educativo terapêutico e o ativismo delicado. Assim, ela cria um conjunto de ações afirmativas por uma estética da vida viva.

A singularidade de suas ações se mostra em muitos aspectos. Um deles é a adoção inusual do hífen entre as palavras artes e manuais, uma notação léxica aparentemente insignificante, que tem a intenção de evidenciar a relação de intensidade entre as artes e as manualidades, gerando um significado junto aos modos de existir que sua pesquisa investiga. Pois, ao mesmo tempo que separa, o hífen une, enquanto se opõe, concorda e cria um tensionamento que expressa as relações e os movimentos sempre abertos à produção de devires.

“A arte-manual é onde as potências mínimas se conectam, onde o gesto menor e não quantificável tem valor”, Nina conta. Quem imagina que a vida nas artes-manuais é tranquila e doce ou espetacular se engana. Nina Veiga afirma para uma turma de alunas que “enquanto se faz, uma alegria toma conta de nós. Surge uma generosa compreensão ordenadora que vem dos gestos manuais”.

Um dos territórios da pesquisa em artes-manuais de Nina Veiga é a terapia. Aqui, o foco investigativo é a artesania constituída pelas necessidades cotidianas da casa — a fiação, a tecelagem, o bordado, o tricô, o crochê e as demais artes têxteis, práticas ancestrais transmitidas por mulheres geração após geração. “Por surgirem no âmbito da casa, as artes-manuais têxteis trazem em si a vocação de dispositivos de sensibilização e cuidado. Acredita-se que a casa possui saberes e técnicas que se compõem positivamente com as práticas terapêuticas, a partir de sua concretude e do seu uso”, ela explica.

Mulher branca tricotando.
Caroline Feelgood / Pexels

É desse baú de memórias, registros e constituições das artes-manuais têxteis, compostos por gestos integrais e afirmativos de vida e saúde que nasce a artífice de si. “Trata-se de um processo de subjetivação que valoriza a qualidade e a singularidade e percebe como alguém se torna em contato com as artes-manuais”, Nina nos conta sobre a abordagem terapêutica das manualidades.

A investigação do valor do feito à mão é um dos temas atuais dos grupos de estudo que Nina Veiga conduz. A proposta é deslocar o fazer artístico artesanal da dimensão produtiva e mercadológica típicos de uma sociedade na qual o consumo é a relação central. “O fazer algo para si, algo simples para o uso, sem estar submetido a uma lógica de mercado é um exercício que exige o investimento em recursos e dinâmicas corporais pouco usuais no contemporâneo”, conta.

Para atualizar os planos de estudos dos cursos de especialização que oferece, Nina promove grupos de investigação e prática sobre diversos temas, o que mantém a atualidade dos projetos e responde à sua vontade de fazer do conhecimento o mais potente dos afetos. E nessa potência, colaborar na construção de um território onde as sensibilidades em devir podem se dar.

Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

Na série “Ponto em Questão”, com 45 vídeos, Nina Veiga pensa alto em relação a temas contundentes, como a estética da riqueza e sua influência nas artes-manuais, no consumo, na escrita diária como salutogênese e na natureza anímica da criança.

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No encontro sobre a infância e as manualidades, ela lança um convite instigante em forma de pergunta: “Como as artes-manuais são vistas e recebidas e como podem conversar com a infância?”. Então provoca: “A introspecção que as artes-manuais favorecem colide com o estereótipo de que a criança está sempre nesse lugar de alegria de estar fora, e o estar dentro não é alegre. Vemos os estereótipos da infância conversando. Vamos desacomodá-los. Estar dentro de si também produz uma serenidade alegre, um preenchimento outro e uma outra potência, nem melhor, nem pior.”

Nina Veiga desmonta modos engessados para favorecer modos de pensar a infância que ampliem a capacidade de a criança se tornar um ser singular. Então, por sentir a necessidade de diferenciar seu modo de pensar a casa, a infância e as mulheres daquela promovida pelo pensamento neoconservador é que Nina Veiga se move com firmeza permanente em apresentações ao vivo, grupos de estudo, cursos de pós-graduação, oficinas e projetos de época. O público que a acompanha — educadoras, cientistas, artífices, alunas, artistas — também contribuiu e faz companhia no caminho do pensar, sentir e querer.

Com a maestria de quem genuinamente aprende por meio das ideias e das pessoas a quem está ensinando, Nina nos convida a problematizar o real. “Um pensamento por uma estética da vida viva provém de uma ética do benviver e produz uma política da existência que nos permite resistir às forças da massificação”. Suas aulas e apresentações abrem a possibilidade de alinhamento do pensar, do sentir e do querer para a construção de um outro mundo possível no tempo presente. Ela nos inspira.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

Email: ninaveiga@ninaveiga.com.br
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Twitter: @AtivismoD
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