Não sabes o que és Deus?
“Pois é, eu também nada sei sobre Deus. Como saber? Eu sei sobre o sol. Eu o vejo. Sinto teu calor em minha pele.
Mas sobre Deus nada sei. Não o vejo, não o sinto me tocar, nunca o ouvi, nem senti seu aroma. Meus sentidos nunca o perceberam. Logo como saber sobre Deus?
Há muitos que falam sobre ele e acreditam em sua existência, mas nenhum deles sabe. Acreditam, é verdade, e acreditam nas palavras de outros que acreditaram antes deles. Mas como saber se estes realmente conheceram Deus. Não conheço ninguém que realmente falou com Ele. E se alguém afirma tê-lo feito jamais poderei saber, com certeza, se verdadeiramente o fez.
Os profetas supostamente ouviram Deus. Mas eu não conheci nenhum deles e ninguém que conheço conheceu. Como saber se eles realmente o fizeram?
Tudo o que me apresentam sobre Deus vem de terceiros. De gurus, santos e místicos. E como saberei se eles realmente sabem de Deus? Tudo o que me oferecem são palavras, e palavras eu também posso oferecer.
E se os profetas realmente falaram com Deus, ninguém poderia saber. Se Deus falou com eles, não falou com mais ninguém. Se alguém por acaso visse o profeta naquele momento sagrado, suponho que apenas veria um homem olhando em silêncio e admiração para os céus, um louco falando com o vento. Não há como saber.
Com isso não quero provar a inexistência de Deus, mas apenas dizer que, para mim, é insensato acreditar Nele sem saber. Respeito quem acredita baseado na crença, mas isso não me basta. Preciso saber. E para saber preciso constatar com minha própria experiência. Mas como saber sobre algo aparentemente imaterial, imperceptível aos sentidos? Eu só possuo os sentidos para explorar esse mundo e neste assunto eles parecem não me valer de nada.
Mas na verdade há outra coisa que me valho para conhecer o mundo: o pensamento. E por este mesmo talvez eu possa chegar a uma boa pista sobre Deus.
Vamos analisar os atributos do pensamento. Eu sou capaz de escutar e até ver meus pensamentos. Muitas vezes vou além e o sinto na pele. Os sonhos são isto. Eles têm efeito sobre meu corpo. E apesar de eu poder analisar e constatar a existência indubitável de meus pensamentos, é impossível fazer o mesmo com o pensamento de outro. Não posso ouvi-lo, vê-lo ou senti-lo. O pensamento do outro, para mim, é invisível, inexistente.
Como sei que o outro pensa, então?
Horas eu ouço, vejo, choro, tenho fome, respiro, sinto sede e sei que o outro também o faz. Então se eu penso certamente o outro também. Além disso, eu sei que o outro fala ou se expressa do modo que seu corpo lhe permite. O que é a fala e a comunicação senão a exteriorização dos pensamentos?!
Então se alguém se expressa de algum modo concluímos que ele pensa.
Partindo da ideia que o pensamento existe, e não há nenhuma dúvida sobre isso, mesmo sendo impossível dissecá-lo e analisá-lo de qualquer maneira conhecida pelo homem, concluímos que a natureza deste é completamente imaterial. Logo sabemos que há coisas que não podemos compreender fazendo uso de nossas máquinas ou de nada que venha do plano físico.
Sendo assim, Deus pode, sim, existir e ser da mesma natureza que um pensamento. Pensamento que, por não ser nosso, não somos capazes de perceber. Mas como dito antes podemos saber da existência de um pensamento vindo de outra pessoa se esta o expressar de algum modo que nossos sentidos possam compreender.
Há uma outra questão acerca do pensamento que vale ser mencionado. Muitos poderão dizer que um cientista é capaz de rastrear o pensamento com uma máquina específica. E realmente o fazem. Mas o rastreiam e nada mais. O que veem é apenas o efeito do pensamento no cérebro e não o pensamento em si.
Voltando a Deus. Talvez um modo de “rastreá-Lo” seja procurando encontrar os seus efeitos nas coisas que podemos ver e sentir. Se os pensamentos causam efeitos na gente, Deus poderia fazer o mesmo.
Podemos procurar também as expressões de Deus. Pois se só sabemos o que pensa uma pessoa quando ela se expressa, o mesmo poderia se dar com Deus.
Mas se Deus se expressa, onde procurar?
Bom, não sei um lugar específico, então terei de procurar em todo lugar. Muitos homens dizem que Ele está em todos os lugares. Este parece ser um dos únicos conceitos de Deus com o qual todos concordam.
Certo, vamos lhes dar esse crédito e começar por aí.
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Analisemos. Se Deus está em tudo, então tudo é expressão de Deus. Se tudo é expressão de Deus, Ele seria tudo. No entanto isso tudo parece muito vago.
Além disso, o que Deus estaria tentando nos dizer? Pois se quando eu me expresso é para comunicar a outro o que penso, acredito que Deus, ao se expressar, desejaria o mesmo.
Qual é a mensagem de Deus? O que Ele quer falar?
Realmente não sei e não tenho ideia de onde procurar.
Novamente seguirei conselhos de quem acredita já saber de Deus ou ao menos se vê no caminho para isso.
Muitos dizem que Deus não está fora. Ao analisar essa afirmação, percebo que pode haver verdade nela. Afinal, já procurei Deus em todo lugar e ainda não o encontrei. Praticamente todos que conheci procuravam Deus do lado de fora e jamais conheci alguém que afirmava com toda certeza tê-lo conhecido. Não estou falando aqui de conhecer as palavras de Deus, seus ensinamentos e todas essas coisas. Isso tudo é questionável, tudo vem de outros. São palavras proferidas por outras bocas, e palavras a minha própria pode proferir. Não, eu falo em conhecer Deus em essência, assim como conheço meus pensamentos. Eu falo em saber.
Então voltemos à busca por Ele. Procurá-lo fora parece realmente infrutífero, já que não conheço quem o tenha conseguido. Então onde mais olhar senão ao meu redor?
Uma resposta apenas surge.
Dentro. Estará Deus dentro de mim? Afinal há homens que dizem que sim. Não há como eu saber se eles estão certos apenas lendo suas palavras. No entanto procurando fora não encontrei e dentro de mim é um lugar que jamais sondei.
Tentaremos então encontrá-Lo dentro. Mas por onde começar?
Para procurar dentro de mim, terei de saber o que há lá. Mas não faço ideia do que habita em meu interior. Vamos então começar tentando saber quem sou eu. Como procurar algo nas profundezas de meu ser sem saber quem é este. Como você parte em busca de uma montanha para explorar sem saber o que é uma montanha?
Certo, o que percebo em mim?
Possuo o pensamento que já constatamos. O pensamento é fruto da mente, e assim vamos chamá-la. As emoções também são bem perceptíveis em mim, representam outro aspecto que compõe quem sou. Possuo o corpo, que é o mais óbvio e dispensa dúvidas. São três aspectos que indubitavelmente constituem meu ser. Vamos analisar cada um deles, então, e ver o que descobrimos.
Começando pelo corpo, já que, entre os citados, é o único que pode ser percebido pelos sentidos dos outros. Quero dizer, qualquer um é capaz de ver meu corpo, tocá-lo, cheirá-lo, ouvir os sons que produz e do mesmo modo sou capaz de perceber as emanações de outro corpo. Serei eu o corpo, então?
Bom, do mesmo modo que um outro ser pode sentir meu corpo, eu também o posso. Ele é como uma máquina que uso para interagir com o mundo. Se eu faço uso dele, me parece estranho que eu possa ser ele. Como posso usar a mim mesmo? O carro faz uso dele mesmo para chegar a qualquer lugar? Não, o motorista faz uso do carro. O motorista acredita que é o carro só por isso? Não, ele sabe que o carro é apenas uma máquina, uma ferramenta que o permite chegar aonde quer. Não, não acredito que eu seja o corpo, porque ele é apenas minha ferramenta para chegar aonde eu quiser.
Certo, se eu não sou o carro, mas o motorista, quem é o motorista? Ele é quem dá as ordens ao carro e o dirige. Interessante… Quem parece controlar o meu corpo de modo parecido? Sim, o pensamento. Serei eu o pensamento, então, provavelmente.
Vamos analisar.
Eu penso, logo existo. É o que dizem. É o que disse o filósofo. Sim, se eu penso preciso existir, já que assim constato que ali estou. Sou a mente, então, pois a mente produz o pensamento. Mas analisando a mente percebemos que ela não é nada além de um emaranhado de lembranças de coisas que já li, ouvi, vi e vivi. Sou isso, então? Um mar de lembranças revoltas? Não me parece sensato. Se a mente é formada por memória, esta é formada unicamente por fatores externos. Tudo o que está nela vem de fora, então ela se baseia só no que já conhece. Nada nela é realmente meu. Logo meus pensamentos não são mais que uma coletânea de várias ideias colhidas durante minhas experiências.
Uma rosa seria uma rosa se exalasse o perfume de outras flores? Penso que não.
Se meus pensamentos nem mesmo são meus, como posso eu ser meus pensamentos? Eu seria a criação de outros também. Um monstro de Frankenstein criado a partir dos pedaços de outros monstros.
A mente parece ser um mecanismo de processar o mundo. Se é com o corpo que interagimos com ele, é com a mente que o compreendemos. Mas não, não sou a mente.
Nos resta as emoções. Estas são poderosas. Possuem grande efeito sobre nós. Podem nos fazer matar ou morrer por alguém. Mas o que elas são? De onde vêm?
Parece claro que elas são efeito dos pensamentos. Se penso em algo bom, sinto alegria. Se penso em algo ruim, sinto tristeza, medo. No entanto as emoções parecem ser capazes de fazer o mesmo com a mente. Se estou bem, tenho pensamentos positivos; se mal, penso no pior. Qual é causa? Qual é efeito?
Devemos acrescentar que fatos externos podem influenciar as emoções. Na verdade são eles os reguladores de nossas emoções, na maioria das vezes. E essas influências externas são percebidas por nossos sentidos e processados por nossa mente. Logo, se as emoções são reações que temos a influências externas e essas influências são processadas pela mente, as emoções acabam por ser frutos da mente em resposta ao que vem de fora. Claro que uma pessoa emocionalmente desequilibrada nem conseguirá pensar direito. Ela estará mergulhada no produto de sua própria mente.
As emoções parecem assim, reações químicas que repercutem no corpo. E se decorrem da mente, que já concluímos não ser quem somos, também não somos nós, nossas emoções.
E agora? Parece que analisamos todos os aspectos que podemos perceber em nós.
Na verdade, falta um. Este é diferente das emoções, da mente e do corpo, já que não pode ser percebido por ninguém, ao menos não com os sentidos. Você já ouviu falar dele pela boca dos espiritualizados e religiosos.
O espírito.
Agora chegamos em um campo difícil de se explorar. Não há nada que eu possa encontrar que me dê uma ideia mais sólida da existência do espírito, afinal a qualidade de solidez parece não aplicável a qualquer atributo relacionado ao que sabemos sobre o conceito de espírito.
Tudo o que temos a respeito do que seria o espírito são palavras de pessoas que dizem saber o que ele é. E pessoas se enganam ou tentam enganar.
Mas talvez essa impossibilidade de percebermos o espírito seja a resposta, ou ao menos uma dica do que possa ele ser.
Oras, se eu não sinto o espírito, talvez seja porque este seja eu. Como poderia sentir a mim mesmo? Só posso sentir aquilo que eu não sou, só o que vem de fora. Os olhos não são capazes de ver a si mesmos, veem no máximo seu reflexo, mas jamais a si mesmos. Assim pode ser com o espírito, incapaz de perceber a si mesmo.
Haverá então algum espelho capaz de refletir o espírito para que assim possamos ter um vislumbre de sua existência? O que seria esse espelho? Não sei. Mas analisando todas essas informações, admito que possa haver, sim, um espírito e que ele seja o verdadeiro Eu.
Seria fácil não notarmos quem somos, com tantos fatores externos a todo instante nos atingindo de todos os lados e sensações infinitas que nos tornam incapazes de assimilarmos nossa verdadeira essência.
E agora que cheguei à ideia do Espírito, percebo que ele é ainda mais semelhante ao conceito de Deus do que o pensamento. Mais etéreo, imaterial, imperceptível aos sentidos grosseiros.
Se há um Espírito que posso identificar a mim mesma, e este é invisível a toda capacidade perceptiva que concebemos, e se há também um Deus que se enquadra nas mesmas características, é totalmente aceitável e lógico que concluamos a possibilidade de Deus ser Espírito.
E, por fim, depois de todo essa especulação, penso que se Deus é Espírito e eu também sou Espírito, sendo eu o mesmo, seria eu Deus?
Quem sabe?’”
“Acolhidos” é um livro de minha autoria, ditado em meus ouvidos pelas belas musas do novo tempo.