Vamos começar esse artigo com um exercício: feche seus olhos e imagine que você está caminhando pela areia da praia, muito próximo ao mar. Em seguida, visualize como estaria o horizonte enquanto o Sol se põe. Mentalize cada detalhe, as diversas tonalidades que compõem o céu neste momento, as ondas batendo lá longe ou os pássaros voando contra a luz.
E então, qual o nível de clareza das imagens que você acabou de imaginar? Mesmo que você nunca tenha ido à praia, provavelmente já viu alguma cena semelhante em algum filme, fotografia ou programa de televisão. E se já presenciou alguma vez essa cena, foi buscar em algum lugar de sua memória as lembranças para visualizar a imagem da praia em sua cabeça.
No entanto, pensar em formatos, cores e texturas pode ser bastante frustrante para quem tem afantasia. Essa condição, caracterizada pela incapacidade de criar imagens dentro da própria cabeça, é também denominada pelos neurologistas como “a cegueira da mente”.
A ciência ainda sabe muito pouco sobre tal fenômeno neurológico. A incapacidade de formar imagens ou figuras mentais impossibilita as pessoas que vivem com essa condição caírem no sono “contando carneirinhos”, realizarem exercícios simples de mentalização, como esse que foi proposto ou então de concentração, como aqueles de visualizar uma “luz branca”, comuns em algumas práticas de meditação. A mente é um apagão. Escuridão total.
Afantasia: o que é?
Estima-se que a afantasia afete mais ou menos 2,5% da população mundial. Para essas pessoas, as imagens não se formam em seus pensamentos e tampouco elas conseguem se lembrar nitidamente do rosto das pessoas que conhecem ou locais que estiveram durante a infância.
Boa parte das pessoas que possuem afantasia vivem sem sequer saber que isso existe, já que elas nem sabem o que é possuir imaginação visual. Já outras pessoas podem sofrer com a condição ao não se recordarem de entes queridos, por exemplo.
A afantasia pode ser adquirida após uma lesão neural, mas comumente é idiopática, ou seja, a pessoa apenas nasce assim, sem nenhuma explicação aparente. São homens e mulheres que não possuem a habilidade de imaginar um cenário relaxante quando estão estressados ou pensar em infinitas possibilidades dentro de suas cabeças quando estão “sonhando acordadas”. Essas pessoas possuem uma mente cega, onde as imagens não se formam.
O termo afantasia surgiu apenas em 2015, através do Dr. Adam Zeman, psicólogo cognitivo e professor da Escola de Medicina da Universidade de Exeter, no Reino Unido. Na ocasião, ele documentou o caso de um paciente que perdeu a habilidade de visualizar imagens já adulto, após uma intervenção cirúrgica. A partir daí, várias pessoas entraram em contato com o professor e relataram que nunca tiveram essa habilidade.
Por que ocorre?
Sabe-se muito pouco sobre os fatores que causam a afantasia. As pesquisas sobre o tema ainda são recentes e oferecem apenas algumas hipóteses sobre o que acontece dentro do cérebro de alguém que possui a condição.
O que se sabe até o presente momento é que isso pode ocorrer devido a uma falha na criação de padrões do que enxergamos. Todo estímulo visual gera uma impressão em nosso cérebro, que consequentemente se torna uma forma, um padrão. Ao nos recordarmos de algo, esses padrões se manifestam e criam as imagens mentais.
A afantasia não permite que esses padrões visuais se conectem, então nada do que é visto com os olhos é capaz de se transformar em uma imagem no cérebro. O que acontece do “lado de fora” deixa de existir assim que essas pessoas fecham os olhos.
Como vivem as pessoas com afantasia?
Diferente da maioria de nós, que conseguimos visualizar objetos, rostos e experiências dentro da nossa mente, uma pessoa com afantasia não sabe o que é ter esse tipo de imagem dentro do cérebro. Se é solicitada para pensar em algo, ela até consegue descrever o objeto e explicá-lo, mas nenhuma imagem aparecerá em seu arquivo mental.
Afantasia tem cura?
Não há nenhum tratamento conhecido para a afantasia, mas ela também não é um fator limitante no cotidiano das pessoas. Mesmo os indivíduos que não conseguem visualizar imagens ou pessoas em sua mente, podem usar fotografias, desenhos, atalhos mentais e outros artifícios para compensarem essa falha da memória.
Claro que nem tudo são flores. Essa condição pode causar uma sensação de desamparo e solidão quando se torna impossível se lembrar de alguém querido que já se foi ou tentar recordar do rosto do(a) seu/sua companheiro(a) quando está com saudade, por exemplo.
Curiosidades sobre pessoas que possuem afantasia
A afantasia também não é um impeditivo para o sucesso profissional e pessoal, e nem uma barreira para a criatividade. Muitos artistas que trabalham com desenho e ilustração não conseguem visualizar as imagens antes de passá-las para o papel, mas isso não influencia em sua criatividade ou habilidade de desenhar.
Você também pode gostar:
E em relação aos sonhos? Bem, embora ocorram com menor frequência, os indivíduos afantásicos podem sonhar durante o sono. Por outro lado, os sonhos tendem a ser menos vívidos e com menos detalhes do que das pessoas que não possuem a condição.
Talvez os maiores desafios que esses indivíduos enfrentam sejam aqueles relacionados às questões de âmbito pessoal. Não conseguir relembrar do rosto de algum familiar querido que já partiu ou não conseguir reviver as memórias do primeiro encontro com o amor da sua vida, entre outras coisas, pode ser um tanto melancólico. Mesmo tendo uma vaga ideia da lembrança em si, é praticamente impossível se recordar dos mínimos detalhes, por mais que se esforcem.
Todavia, a afantasia não define o que a pessoa pode ou não fazer. Às vezes, só desse indivíduo entender o porquê sua mente funciona assim e saber que ele não está sozinho, já proporciona uma melhora em sua qualidade de vida. Afinal, a afantasia é só uma maneira diferente de experienciar o mundo ao redor.