A vontade de comer deveria vir apenas por fome. Por exemplo, quem acorda às 6 e meia da manhã, três horas depois está com fome e come uma fruta. Essa pessoa provavelmente vai almoçar ao meio-dia. Às 3 da tarde faz um lanche leve, janta às 6 da tarde e faz o último lanche às 10 da noite, no máximo. Horários controlados, quantidade de comida idem.
Porém, até mesmo essas pessoas regradas cometem exageros de vez em quando. Após um dia difícil no trabalho, uma briga com o (a) namorado (a), com familiares, pode surgir a imensa vontade de comer chocolate ou chupar sorvete. Após saciar o desejo, vem a sensação de bem-estar. Mas, quem possui equilíbrio emocional, sabe que tal comportamento não é produtivo. O indivíduo cai em si e sua razão volta a falar e dispara o alerta “não use a comida para camuflar seus problemas”.
Mas, e quem não possui equilíbrio emocional?Esse tipo de pessoa come por todos os motivos, menos por fome. Ela abre a geladeira o dia inteiro e pega tudo o que puder. Geralmente, os doces são os alvos dessa fúria alimentar, entretanto, o “confort food”, a comida que traz conforto também pode ser salgada. Uma travessa de batatas fritas dura menos que o episódio de um seriado. Barras de chocolate são devoradas em minutos. Potes de sorvete não duram menos que o tempo necessário para a leitura desse artigo.
Compulsão alimentar
Até os anos 50 os padrões comportamentais dos obesos eram ignorados. Após esse período, os estudiosos perceberam que eles eram depressivos, tinham transtorno de personalidade e de humor. As análises feitas com pessoas obesas levaram os psicólogos a desenvolverem os conceitos do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP).
O TCAP está relacionado à obesidade, pois, não há métodos para a compensação do peso, como acontece na bulimia. O distúrbio atinge homens e mulheres, mas, os adolescentes que passam por transformações afetivas, sociais e corporais, onde a aparência física é importante fator de identidade pessoal e as mulheres entre 20 a 30 anos são as maiores vítimas da compulsão alimentar.
Este transtorno é a grande ingestão de alimentos no período de duas horas. Durante o processo, a pessoa perde o controle sobre o que e quanto se come. Para ser caracterizado como compulsão alimentar, tal comportamento precisa acontecer no mínimo duas vezes por semana por seis meses, sem vomitar ou qualquer outra medida para evitar o ganho de peso.
Por que sentimos fome
- Quando o estômago está vazio, aumenta a produção do hormônio grelina;
- O hormônio avisa ao hipotálamo que precisamos comer, o corpo começa a sentir fome;
- Quando a comida chega ao estômago, a grelina diminui e sentimos menos fome;
- A comida digerida sai do estômago e chega ao intestino. Nele, o hormônio, GLP-1 é acionado, funcionando como uma espécie de freio para o cérebro cessar a fome.
Diferenças entre fome e compulsão
Fome
- O estômago ronca
- Fraqueza / tontura
- Cansaço / desânimo
- Mau humor
- Comemos qualquer alimento
Compulsão alimentar
- Ansiedade
- Desejo incontrolável por comida
- Queremos comer algo específico
- Comemos com os olhos
- Solidão / depressão
Causas da compulsão alimentar
Vários fatores estão ligados à compulsão alimentar. Geralmente, eles estão presentes em todos os casos.
- Estresse
Muito trabalho e prazos apertados, não conseguir realizar atividades escolares/acadêmicas. Qualquer situação que leve o indivíduo a sentir-se pressionado leva ao estresse. Nesses casos, a comida pode ser uma válvula de escape.
- Traumas emocionais
A compulsão emocional pode estar associada a traumas como violência psicológica, física e abuso sexual.
- Falta de autoestima
Pessoas sem autoestima não conseguem expressar suas emoções. Suas frustrações são descontadas na comida.
- Dietas feitas de forma errada
Dietas muito rigorosas privam as pessoas de vários alimentos. Elas ficam deprimidas e ansiosas por comida. Qualquer acontecimento negativo vira o estopim para comerem compulsivamente.
A compulsão alimentar é um conflito psíquico. O indivíduo come descontroladamente buscando um pouco de prazer para aliviar a dor. Por algum momento, ele até consegue ter esse bem estar, mas, logo após o término da comida, a tristeza volta, sendo necessário comer novamente. É um comportamento parecido com os dependentes de drogas. Assim como os dependentes químicos, os portadores do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica demoram a reconhecer o grau de destruição dos seus padrões de comportamento e pensamento. Nesse distúrbio vemos os seguintes comportamentos:
- Comer escondido
O compulsivo sente vergonha de sua condição. Na frente dos outros come adequadamente, porém, quando está longe, sua fúria alimentar vem à tona. Ele sempre tem biscoitos e salgadinhos escondidos para crises noturnas.
- Comer rápido
Pessoas que passaram fome na infância podem pensar que a comida pode desaparecer. Comer depressa é uma forma inconsciente de evitar novas privações.
- Repugnância em relação a hábitos alimentares e aparência
Quem come de forma compulsiva refuta alimentos saudáveis porque não trazem benefícios imediatos. Já o prazer de uma pizza ou barras de chocolates é imediato.
Pessoas que se alimentam compulsivamente sabem que o comportamento piora seus conflitos internos, além de provocar problemas de saúde. Mas, como qualquer indivíduo que passa por distúrbios psicológicos, os portadores do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica negam seu problema. Os mecanismos para negar o problema são os seguintes:
- Racionalização
Buscar um responsável pelo excesso de comida. Não ter tempo ou dinheiro para comprar alimentos saudáveis pode ser uma desculpa.
- Desatenção seletiva
As mulheres (e homens também!) costumar conferir o visual no espelho do elevador ou nas vitrines. Obesos não fazem isso para não verem que estão acima do peso.
- Deslocamento
Adaptar interesses ao hábito de comer excessivamente. Cinema só com vários baldes de pipoca e copos enormes de refrigerantes. Ir a museus em regiões onde existem muitos restaurantes e lanchonetes. A pessoa não aproveita o programa e só pensa na “recompensa” por ter ficado algum tempo sem comer.
- Isolamento
A mente bloqueia qualquer tipo de emoção negativa relacionada à compulsão. Vestir uma calça jeans tamanho 52 não é mais problema. Agora, não poder comer a hora que desejar e limitar a quantidade de comida, isso sim tira o sono do compulsivo.
- Formação reativa
Pensar que a gordura significa saúde e a magreza, doença.
A família e os amigos são fundamentais para quem sofre desse mal. Eles precisam informar-se sobre a doença, a fim de entenderem que comer exageradamente não é por vontade própria, tampouco que a inércia do indivíduo não é preguiça. Família e amigos precisam ser uma rede de apoio. Conversas francas, sem julgamento, apenas com a exposição dos males trazidos pelo comportamento compulsivo devem acontecer tão logo alguém perceba essa anormalidade. Encaminhar o ente querido para tratamento psicológico é um ato de amor.
Abordagens psicoterápicas
As abordagens psicoterápicas mais aconselhadas para o tratamento da compulsão alimentar são: Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Comportamental, Psicoterapia Focal, Psicoterapia Interpessoal, Psicoterapias Psicodinâmicas, Tratamentos de autoajuda e Intervenções psicoeducacionais. Todas podem ser aplicadas individualmente ou em grupo.
Os resultados mais satisfatórios a Terapia Cognitivo-Comportamental. Essa linha de psicoterapia foi desenvolvida pelo psicólogo Aaron Beck. Trata-se de um conjunto de técnicas terapêuticas que visam a mudança de padrões de pensamento e comportamento.
O tratamento realizado pela Terapia Cognitivo-Comportamental dura de 12 a 16 sessões. O enfoque das sessões voltadas as pessoas com compulsão alimentar é os pensamentos distorcidos sobre a imagem. Autoavaliação centrada no peso e forma do corpo, falta de autoestima e perfeccionismo. O terapeuta também trabalha com a questão da reeducação alimentar.
Quando o paciente não responde à terapia e a compulsão associada a um quadro depressivo grave com risco de suicídio, ele é encaminhado ao psiquiatra. O tratamento medicamentoso tem início com um seletivo da recaptação da serotonina (Fluoxetina, Fluvoxamina, Paroxetina ou Sertralina). As doses podem ser aumentadas a cada duas ou três semanas, observando sempre os efeitos sobre a compulsão e no humor. A indicação é que a medicação seja ministrada por um ano, mas, tudo vai depender da evolução do paciente.
Dicas para ajudar compulsivos
A psicoterapia e a medicação são apenas dois pilares desse tratamento. As orientações passadas pelo psicólogo através das conversas e das técnicas são fortificadas pela manutenção feita for do consultório. Nós temos sete dicas importantes para ajudar os compulsivos e também para evitar que o comportamento se desenvolva:
- Comer a cada 3 horas
Faça lanches leves a cada 3 horas. Uma fruta, copo de iogurte ou barra de cereais. Isso mantém o metabolismo ativo, o que é bom para emagrecer, além do mais, você não chegará faminto na próxima refeição.
- Faça seu prato na cozinha
Quando as panelas e travessas estão na mesa, fica difícil controlar o ímpeto de comer tudo. Arrume seu prato na cozinha, e de preferência, na presença de outra pessoa.
- Tenha hora para comer
Estabeleça horários para comer, para que seu organismo tenha uma rotina.
- Comece pelos vegetais
Eles possuem fibras e água, o que conferem saciedade. Comece suas refeições sempre com saladas.
- Comer devagar
Quando comemos rápido, o cérebro não consegue identificar o alimento e passar a sensação de saciedade. Por isso, comer devagar e mastigar os alimentos traz mais satisfação.
- Escovar os dentes após as refeições
Ato higiênico que revela ao cérebro que você terminou sua refeição, assim, a vontade de comer diminui.
Na luta contra a compulsão alimentar, a reeducação alimentar é importantíssima. Saiba quais são os alimentos mais indicados para quem sofre desse mal, ou para evitá-lo:
Alimentos ricos em triptofano
Aminoácido não produzido pelo corpo que é conquistado pela alimentação. O triptofano está relacionado a produção do serotonina, hormônio ligado ao bem-estar. Carne, ovos e leite são as principais fontes desse aminoácido.
Alimentos ricos em B6 (piridoxina) e vitamina B9 (ácido fólico)
Responsáveis pela síntese da serotonina. Estudos associam a carência dessas vitaminas às alterações de humor. Consumir carnes vermelhas (fígado bovino é fonte tanto vitamina B6 como de vitamina B9), frango, grãos integrais, feijão e leite ajudam na luta contra os sintomas da ansiedade.
Alimentos ricos em vitamina C
A vitamina C reduz o nível de cortisol, hormônio responsável por repassar os sinais de estresse nas situações de ansiedade. A ingestão de vitamina C fortalece o sistema nervoso, promovendo qualidade de vida. Acerola, abacaxi, laranja, limão e alguns vegetais como os tomates e pimentões fornecem grande quantidade dessa vitamina. Consuma esses alimentos crus, porque o calor degrada-os.
Alimentos ricos em carboidratos
Carboidratos servem para disponibilizar energia para realizarmos nossas atividades. Quando consumimos frutas como maçã e pêra, e fibras integrais nossa taxa de glicose sanguínea aumenta, causando bem-estar e muita disposição.
Cúrcuma
Também conhecida como açafrão da terra ou açafrão da Índia, a cúrcuma é cultivada nos países asiáticos. Pesquisas revelam que o tempero aumenta o nível de serotonina. Para usufruir desse benefício, acrescente uma colher de chá em sua alimentação diária.
A compulsão alimentar é um transtorno de origem emocional. Pessoas profissionalmente sobrecarregadas, com históricos de violência psicológica, física e sexual, ou quaisquer outras questões que destruam a autoestima são propensas ao distúrbio. A Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica duplica o sofrimento. Os problemas iniciais não são resolvidos e surgem problemas de saúde física e emocional. Obesidade e depressão levam o indivíduo a isolar-se.
O desespero vivido pelos compulsivos é tão grande que muitas vezes, eles consomem alimentos crus ou congelados, tudo para ter um pouco bem-estar. As crises duram duas horas e nesse curto período, a ingestão de calorias pode chegar a 15 mil, quando um adulto normal precisa em média de duas mil calorias por dia para viver.
Você também pode gostar
Familiares e amigos precisam ficar atentos. Muitas vezes, a pessoa come normalmente na frente deles. Mas, ao ficarem sozinhos, descontam tudo que não comeram. Familiares e amigos podem suspeitar de que algo está errado quando o doente prefere ficar sozinho. Inspecionar o quarto também revela problemas. Compulsivos costumam esconder pacotes de bolachas, salgadinhos e doces. Como as crises ocorrem mais frequentemente durante a madrugada, experimente ir até a cozinha.
Qualquer sinal de comportamento alimentar inadequado converse com seu parente ou amigo. Não brigue com ele, apenas explique que os males físicos trazidos pela compulsão pioram com a depressão. Sugira que ele procure ajuda profissional e coloque-se à disposição. Compulsivas são pessoas que não sabem expressar suas emoções, então, deixe o livre para falar sobre elas. Aja como um padre no confessionário. A compreensão é um poderoso aliado em qualquer processo de recuperação.
- Texto escrito por Sumaia Santana da Equipe Eu Sem Fronteiras.