As coisas não são verdadeiras. Tudo me parece um pouco diferente, um pouco maior, um pouco mais achatado, um pouco menos justo, muito mais verdadeiro, muito menos vivo, mais falso, mais alto, cheiroso, incolor. Tudo, desde que passe na frente dos meus olhos, será visto, interpretado e julgado. O juiz, uma vida de vinte, vinte quatro, vinte cinco, setenta, oitenta, trinta, dez anos. A defesa, as sensações, o desejo e até os impulsos. Tudo não me parece tão verdadeiro, talvez, por deixar que o verdadeiro também se torne objeto a ser escutado, a ser estudado, a ser julgado, a não ser tão verdadeiro.
Meu sistema é como um tribunal e tudo o que nele chega merece e deve ser julgado, afinal, parece tão verdadeiro para ser verdade que, talvez, pensamos por um segundo em como seria melhor se, para ser verdade, passasse pelo meu julgamento de verdade ou do que imagino ser. São as minhas convicções aquelas a segurarem pelos braços as verdades a serem julgadas, elas temem a desordem, elas temem a não comunhão do corpo mais santo de mim: meu ideal, meu ser construído, constituído, minha intelectualidade em forma de mim.
Levo, todos os dias, a compreensão de que as coisas não são verdadeiras. Pode a ciência ser mais juíza que eu? Pode ela saber mais da verdade que eu? Não, não pode. Pois, se assim soubesse, o que então eu seria senão juiz da minha vida e senhor do meu tempo? Eu preciso disso, eu preciso ser o juiz que nunca encontra coisas verdadeiras, já que nada me satisfaz. Eu preciso disso. Preciso continuar achando que as coisas não são mais verdadeiras. Não são mais, talvez. Um dia, podem ter sido, mas não são mais.
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Carrego eu mim a verdade de que eu sou o juiz, essa é a única que não passa por julgamentos de veracidade. Essa verdade sou eu, o meu orgulho, a minha pretensão, a minha disposição, o meu eu. É ele aquele que muito perto se mostra id e superego, um choque constante e bem atrevido. Eu queria imaginar que ainda existe algo verdadeiro, além do eu-juiz. Eu queria, no fundo, acreditar que, como juiz, não passo por julgamentos, mas, talvez, o que pude aprender foi que ser juiz é estar ainda mais presente em todos os julgamentos. Queria ter, no mínimo, a vontade de superar meu ego, de elevar meu juízo a uma condição verdadeira – mas não há nada verdadeiro, como poderia eu?
Nunca aprendi a ver as coisas no tribunal de Maria. Acho que o modo como ela exerce sua justiça é muito efêmero, muito fugaz, muito imbecil. Prefiro o meu tribunal, ele tem a mim: meus conselhos, minhas imitações, minhas alegrias, minha forma de ver o meu próprio tribunal. Tudo o que foge disso é fraco, é raso, é pouco. Eu não quero o terreno de Clarice, eu quero sua casa, afinal, escondido e acovardado exerço em plenitude o meu juízo, a minha vontade de ser, viver e dizer “sim ou não”, “acredito ou não acredito”. Assim, posso ser o mais íntimo de mim, minha natureza ajuizada, única e endeusada, posso ser eu. Amo o que mais forte é visto em mim: uma verdade incapacitada que eu carrego como convicção. Mas eu não entendo. As coisas não são verdadeiras.