Brincadeiras entre amigos é normal. O futebol gera muitas piadas. Ligar, enviar mensagens, fazer o outro vestir a camisa do time rival. Traços de personalidade também rendem risadas. O amigo desajeitado, o amigo muito magro, o amigo muito tímido. Amigos de longa data têm liberdade para falar o que pensam, puxar as orelhas e fazer piadas. Ainda assim é preciso ter bom senso. Nem sempre o outro levará as coisas numa boa. Às vezes, a pessoa está em um dia ou fase ruim. O que era para ser uma gozação vira ofensa. O clima fica ruim, os amigos passam alguns dias sem se falar, mas, uma conversa sincera resolve a situação.
Mas e quando a brincadeira passa da conta? Um apelido aparentemente inofensivo, por exemplo, gera comentários constrangedores e maldosos geram sofrimento. Esta situação é conhecida como bullying. O termo em inglês vem da palavra bully e significa valentão, brigão. A palavra não tem tradução em português. Bullying é uma humilhação, opressão, intimidação, agressão física e nos casos extremos, ameaça de morte. É o tipo de violência que mais ganha força em todo mundo, declara a educadora Cléo Fante autora do livro Fenômeno Bullying: Como Prevenir a Violência nas Escolas e Educar para a Paz.
A situação sempre existiu, mas, o primeiro a associar o termo à violência foi Dan Olweus, professor da Universidade da Noruega nos anos 70. O bullying é algo gravíssimo. Entretanto, nem tudo pode ser considerado como tal. Para ser considerado bullying a agressão precisa ter as seguintes características:
- O autor ter a intenção em ferir seu alvo
- Agressão ser em público e ter a concordância deste
- A agressão deve ser constante
Direto ao ponto
Perfil da vítima
Indivíduo sem autoestima, sem amigos e, quando crianças ou adolescentes preferem a companhia dos adultos. As vítimas possuem aparência frágil, falam muito baixo e algumas gaguejam. O motivo das humilhações vem da intolerância. Quem não está dentro do padrão, sofre as consequências. Os casos de bullying estão associados a:
- Ter alto desempenho escolar
- Ser alto ou baixo demais
- Ser muito magro ou muito gordo
- Usar óculos
- Ter orelhas grandes
- Usar roupas fora de moda
- Ser pobre
- Ser novo na escola
- Ter alguma deficiência
- Seguir uma religião considerada diferente
- Opção sexual
Como reconhecer?
A vida de quem sofre bullying é uma tortura. A vítima fica ainda mais tímida, chora constantemente e fica ainda mais retraída. Os pais devem estar atentos a mudanças bruscas de comportamento. A criança ou adolescente apresenta os seguintes sinais:
- Pedir para estudar em outra classe
- Querer trocar de escola
- Queda no rendimento escolar
- Querer parar de estudar
- Voltar a fazer xixi na cama
- Insônia
- Dor de cabeça e dor de estômago
- Distúrbios alimentares
- Gastrite
- Úlcera
Diante desses sinais, os pais precisam conversar com o filho. Ignorar e classificar as queixas como frescura agrava a situação. Antes de levar o problema ao conhecimento da escola é preciso fazer algumas perguntas. Veja quais são elas de acordo com o livro Proteja seu Filho do Bullying, escrito por Allan L. Beane:
- Quem estava envolvido?
- Você conhece o agressor?
- O que disseram para você?
- Quando aconteceu?
- Onde você estava?
- Tinha algum adulto por perto?
- Você reagiu? Caso sim, o que fez?
- Há quanto tempo isso acontece?
O professor possui papel importante nessa missão. Fazer de conta que não está acontecendo nada fortalece o agressor. Achar que é uma “brincadeirinha inocente” e rir também é uma omissão. Embora a brincadeira entre colegas de classe seja comum, o professor deve prestar atenção à reação da vítima. Quando o aluno reportar o bullying ou qualquer outra situação incômoda, o caso precisa ser encaminhado imediatamente à direção da escola. Caso a instituição cruzar os braços, o recomendado é mudar criança de escola.
Em casos extremos, a família precisa registrar boletim de ocorrência
Medidas educacionais para enfrentar o bullying
- Propiciar um ambiente favorável à comunicação entre alunos, professores e direção.
- Reuniões entre corpo docente e direção na elaboração de medidas contra o bullying. A equipe pode solicitar ajuda a educadores e psicólogos.
- Conversar sobre a importância da generosidade, solidariedade e tolerância.
- Realizar atividades sobre os assuntos acima, pesquisas e peças teatrais são opções para conscientizar os alunos.
- Discutir o bullying em sala de aula, se possível com a participação de psicólogos.
- Conversar com os pais e alertá-los que eles podem responder pelos atos dos filhos.
O que leva alguém a praticar bullying?
Os bullies (quem pratica o bullying) não obedecem regras, provocam brigas e exigem que satisfaçam suas vontades imediatamente. Eles querem chamar atenção. Falar a si mesmo o quanto é valente, ser aprovado e popular no grupo são os objetivos. Este comportamento surge ainda na pré-escola. Nesta fase é marcada pela insegurança, dificuldades para se enturmar, atitudes agressivas e dominadoras. As nuances intensificam-se com o passar do tempo. Preconceito racial, social e sobre orientação sexual são características comuns dos bullies. Alguns estudiosos defendem que os agressores possuem problemas de autoestima, inveja e ressentimento. Podemos dizer que os bullies reconhecem-se em suas vítimas e atacam na intenção de fortalecer sua imagem.
O agressor também sofre consequências. Sem intervenção psicológica, ele poderá ter depressão e TOD (transtorno opositivo-desafiador). O TOD é caracterizado pela desobediência e atitudes hostis. O paciente perde o controle ao ver que seus desejos não foram atendidos. O distúrbio atinge de 2 a 16% das crianças e adolescentes. Durante a infância, o transtorno acomete mais os meninos. Na adolescência atinge ambos os sexos. O distúrbio também pode atingir adultos, porém, é menos frequente. Para o diagnóstico ser confirmado é necessário a presença de quatro sintomas por aproximadamente seis meses. Listamos os principais sintomas do TOD.
- Uso frequente de linguagem obscena
- Culpar os outros pelo seu mau comportamento
- Ter o prazer de irritar as pessoas
- Raiva, rancor e sentimento de vingança
Cyberbullying
O bullying transcende as paredes das escolas. O cyberbullying é a agressão praticada via e-mail, sites e, principalmente redes sociais e aplicativos de mensagens. O perigo neste caso é o anonimato propiciado pela tecnologia. O agressor sente que nunca poderá ser identificado e a prática torna-se ainda mais cruel. As agressões dividem-se entre mensagens e fotos. As meninas comentam o visual de outras meninas, espalham boatos sobre o comportamento, sempre ligados a namoros. Os meninos colocam em xeque a sexualidade dos outros. Preconceitos e ameaças de morte também fazem parte deste mundo.
Corpo docente e direção precisam estar atualizados sobre o assunto. Atividades visando o uso responsável da internet, consequências de quem espalha ofensas na rede são medidas que toda escola deveria adotar. O cyberbullying também deve ser comunicado à escola. Casos mais graves precisam ser denunciados. Neste caso, os pais tomam as seguintes medidas:
- Salvar e imprimir as páginas com as agressões
- Solicitar ao site que retire do ar as páginas com as ofensas
O espectador também agride
Quem fornece munição ajuda o assassino. Quem assiste alguém praticar bullying também agride. O espectador não impedir a violência. Presenciar o ato sem fazer nada é dar o aval para o agressor continuar a torturar sua vitima. O espectador grita palavras de incentivo, reforçam os xingamentos e ajudam nas agressões físicas. Contudo, é preciso ressaltar que em alguns casos, a passividade do espectador é causada pelo medo de represálias. Ainda assim, a “plateia” está longe de ser uma vítima. Apesar do medo, ela também sente prazer em assistir o sofrimento da vítima.
Quando o agressor é menor de idade, os pais são enquadrados no artigo 932 do Código Civil. O artigo confere “responsabilidade civil por ato de terceiro”, ou nas palavras dos juristas “responsabilidade civil indireta”.
No estado do Rio de Janeiro, escolas públicas e particulares são obrigadas a levarem os casos de bullying à polícia. Quem desobedecer paga multa de até 20 salários mínimos. Em Santa Catarina, a lei estadual nº 14.651 “Programa de Combate ao Bullying”. A lei promove ações interdisciplinares para combater as agressões.
O que o bullying faz com o cérebro
O bullying modifica a composição química do cérebro. Pesquisadores da Universidade de Rockfeller (Estados Unidos) analisou o comportamento de ratos expostos a uma situação de estresse emocional.
Os pesquisadores colocaram um rato em uma jaula com ratos maiores e mais velhos. Os animais eram trocados a cada dez dias. Ratos defendem seus territórios com violência. O rato que chegava por último perdia a briga. Após o conflito, os ratos eram separados. O perdedor ainda podia ver e sentir o cheiro dos demais, potencializando o estresse.
Os cientistas perceberam alterações no centro do córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo comportamento social e emocional. Por conta disso, os animais apresentaram grande sensibilidade à vasopressina. O hormônio também age como neurotransmissor. A vasopressina está ligada à ansiedade, depressão e agressividade. Quanto maior o nível desse hormônio/neurotransmissor mais intensos são essas características. Os pesquisadores ainda não sabem o tempo de duração dos efeitos do bullying no cérebro.
Bullying e suicídio
O bullying e o cyberbullying podem ter um final trágico. Foi assim com a adolescente americana Amanda Todd. Tudo começou em 2012 numa sala de bate-papo. Amanda, com 12 anos foi convencida a mostrar seu corpo. Um ano depois, Amanda recebeu uma ameaça Facebook. Era uma pessoa que conversou com ela no chat. A pessoa exigiu um “show” para não divulgar prints da tela para a família e amigos da garota. O criminoso conhecia a escola, os amigos, onde passava as férias e passou a perseguir a garota. A pessoa cumpriu sua ameaça. As fotos foram enviadas e Amanda começou a usar drogas lícitas e ilícitas. A jovem também sofreu com depressão e síndrome do pânico.
Um novo golpe veio um ano após o vazamento das fotos. O criminoso criou uma página no Facebook. Os seios da adolescente estampavam a foto do perfil. No vídeo que fez para contar seu sofrimento, Amanda revelou “eu chorava a noite toda, perdi todos os meus amigos e o respeito deles”. A jovem passou a se mutilar. Mudar de escola agravou o que já era terrível. Ela se envolveu com um rapaz mais velho. A namorada do sujeito e mais 15 meninas foram até a escola tirar satisfações. Amanda apanhou e foi deixada no chão. Após o episódio, a adolescente tomou alvejante. Quando saiu do hospital recebeu mensagens do tipo “Ela merece!” e “Espero que ela morra!”. Seis meses depois, a garota recebia fotos de alvejantes e produtos de limpeza. Amanda ingeriu uma dose de antidepressivos. Seu corpo foi encontrado uma semana depois. A garota de apenas 15 anos se enforcou.
O bullying é um ato de covardia. O agressor humilha e agride fisicamente para mostrar superioridade. Quem precisa disso para ser mais forte também é desprovido de autoestima. Quem sofre esta violência tem sua vida transformada. A escola torna-se um local a ser evitado. O desespero é tão grande que a vítima sente dor de cabeça, de estômago e chega a vomitar.
Muitos pais não percebem o sofrimento dos filhos. Pensam que os apelos para mudar de escola é capricho infantil/adolescente. Os professores nem sempre sabem lidar com o bullying. Uns simplesmente ignoram o fato. Outros chegam ao absurdo que rirem da situação. Quando recebem queixas de agressões falam para o aluno “deixar isso para lá”.
O assunto merece toda atenção. O bullying afeta o rendimento escolar e provoca traumas que podem acompanhar a vida da vítima. Caso você seja alvo de humilhações, conte aos seus pais e comunique um professor de sua confiança. Pais, por favor, levem a dor dos seus filhos a sério. Professores e diretores, conversem com os alunos envolvidos e com os pais dos agressores.
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Respeito ao sofrimento alheio, diálogo e punições combatem o bullying. Medidas preventivas na escola, tais como discussões sobre os danos provocados, as consequências jurídicas, ações sobre o uso responsável da internet devem constar na grade curricular das escolas. Em casa, os pais também orientam e, ao identificar um agressor temo dever de comunicar a escola.
Braços cruzados e cegueira reforçam a violência. Está em nossas mãos evitar finais trágicos como a da jovem Amanda Todd.