Não sei dizer bem ao certo, mas era um Ser de Luz intensa que transbordava.
Acordei tão tristinha, tão sem vontade de nada, cansada mesmo de tentar e não acertar. Pensando que Deus bem podia me mandar algum acalanto. E Ele manda mais: Manda logo um Santo!
Um Santo Anjo atípico: IMENSO, negro e forte.
Não havia leveza e ele não levitava. Pisava pesado suado e desajeitado. No lugar das asas, tinha escápulas bem definidas, aparentes na pele ressecada, rachada.
Claro que era um Anjo ou Santo. Como descrevi, era diferente dos protótipos de anjos. Sem louros cachinhos nem olhos azuis. Não rezava e nem cantava, eu mal entendia o que ele falava.
Veio até a minha casa logo cedo. Entrega de pedras, plantas, flores, terra, adubo, minhoca, coisas de obra e jardim.
Sete horas da manhã: foi a hora da aparição do Santo Anjo.
O caminhão estacou na frente da minha casa e ele desceu.
O Santo Anjo tinha um olhar fundo de quem acordou cedinho e já atrasado subiu na caçamba do caminhão de carreto.
Caminhão do patrão. Quem sabe até, sem pão nem café.
Olhar vago, de quem prevê um longo dia de cansaço.
O Santo Anjo era belo. Beleza que você só vê, se aprendeu a ler a história da alma e não registra as impressões da superfície.
Foi entrando como um trator. Pisoteando e amassando a grama esmeralda, delicada, já plantada na frente da minha casa.
Por um momento, tive vontade de berrar irada: Cuidado com o meu jardim, ô moço! Mas segurei, engoli as palavras. Eu olhava ainda mais fundo, e via nele alguma referência de flor.
O Santo Anjo parecia uma legião, mas era só um.
Dava medo pensar na força que ele tinha se antes Santo, fosse um demônio. Lembrava um Djin, gênio dos contos árabes. Mas eu não estava com medo e não havia três pedidos à serem feitos.
E, sem pedir, eu já havia recebido mais do que podia imaginar numa manhã sem sol de uma segunda chata e sem sal.
Quando abri o portão, logo notei que uma Luz entrou junto. Clareou.
O dia estava nublado, chuvoso, mas, por um segundo, vi o sol dourando a fachada da minha casa.
Se acha que exagerei, tudo bem, mas eu sei, foi bem assim.
Carreto entregue.
Servi um café com leite só para ver se o Santo Anjo era gente.
E porque percebi a tristeza no olhar era fome também.
Entrei para pegar algum trocado e depois fiquei sem graça, pois aos Santos dá-se a reza e o agradecimento. Timidamente agradeci.
Vi uma lágrima desprender do seu olho esquerdo e pingar na altura do coração.
O dia estava nublado como eu disse, mas não chovia.
Ouvi, uma única frase, em uma voz rouca sumida já saindo pelo portão: -“Deus lhe abençoe, dona, e dê em dobro a toda sua família”.
Tentei sem conseguir segurar a lágrima que agora era a minha.
A benção ficou e o Santo Anjo carregador foi embora sentado na caçamba.
Alastrou-se no ar um cheiro de esterco úmido, misturado às flores e terra vermelha. O perfume do Santo Anjo Peão. Impossível de esquecer!