Em 2001, a Rede Globo passou a transmitir a novela O Clone. Nela, Jade, interpretada por Giovanna Antonelli, apaixona-se por Lucas, vivido por Murilo Benício. O que poderia ser uma linda e simples história de amor, no entanto, torna-se um grande obstáculo: Jade é muçulmana e marroquina, enquanto Lucas é cristão e brasileiro.
O amor dos protagonistas da novela de Glória Perez é o que constitui um casal bicultural. Um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres que tenham religiões ou países de origem distintos, ao se unirem, formam um casal bicultural. Ou seja, cada um dos cônjuges segue uma cultura. Normalmente, as duas famílias também apresentam formas de viver e de pensar diferentes.
Para algumas pessoas, pode parecer improvável que indivíduos de culturas diferentes acabem se apaixonando. Apesar disso, essa possibilidade é cada vez mais palpável. Viagens para outros países, uso de redes sociais internacionais e imigração são exemplos de situações nas quais pessoas de religiões e culturas variadas se encontram e, eventualmente, apaixonam-se.
Religiões e países
Em geral, são os ensinamentos de uma religião e os costumes de um país que definem a cultura de uma pessoa. Mesmo quem não segue uma crença ainda terá a formação cultural baseada em hábitos reproduzidos no país de origem.
Cada país apresenta um conjunto de hábitos e de crenças que determinam a vida de cada pessoa. No Brasil, é comum que as pessoas se cumprimentem com beijos e com abraços, embora isso não seja um costume em países como o Canadá. Em países do Oriente, como Turquia, um homem não pode conversar com uma mulher casada sem que ela esteja ao lado do marido.
Há ainda uma série de outras questões que podem permear o relacionamento entre pessoas de culturas distintas. As relações homoafetivas, por exemplo, sofrem represália na maior parte do mundo, inclusive no Brasil. Os casamentos birraciais ainda sofrem discriminação nos Estados Unidos da América.
Dessa forma, a desigualdade e o consequente preconceito se manifestam na sociedade como uma questão cultural, que deve ser superada e desconstruída pelos habitantes de cada nação. Sem a discriminação e sem a xenofobia (recusa em aceitar pessoas estrangeiras), as diferenças culturais entre os países seriam baseadas na gastronomia, no idioma, nas vestimentas e nas produções musicais e audiovisuais.
Se as diferenças culturais entre cada país podem ser um obstáculo por causa do preconceito e da dificuldade para se acostumar a novos hábitos, as diferenças entre religiões acarretam em questões mais profundas. Para as pessoas que seguem à risca determinadas religiões, o casamento com quem não faz parte da mesma crença é até proibido.
Esse é o caso de religiões como judaísmo e islamismo. Uma pessoa judia não pode se casar com uma não judia, assim como uma pessoa muçulmana não pode se casar com uma não muçulmana. É evidente que muitos casais encontram uma forma de driblar essa definição, mas não seria o que essas religiões definem, a rigor.
No caso do islamismo, o casamento, que deve acontecer somente entre homens e mulheres, deve ser aprovado pelo pai da noiva. Sendo assim, é determinante que o sogro reconheça a validade do amor entre as duas pessoas, submetendo o noivo aos julgamentos dele. Isso pode ser um obstáculo, sobretudo se o noivo não for muçulmano.
Além disso, é um costume da religião islâmica que o noivo se torne responsável por alimentar e manter financeiramente a noiva. Em tempos de emancipação feminina, essa regra pode soar limitante para as mulheres. Se o marido for muçulmano e a esposa cristã, por exemplo, será que ela aceitaria ser sustentada por ele?
Para o judaísmo, é preferível que tanto o noivo quanto a noiva sigam a mesma crença para que ambos possam realizar os inúmeros rituais que antecedem a cerimônia: iniciação e permanência na vida santa, períodos de jejum, contrato de casamento, entrega de determinados presentes (o noivo deve presentear a noiva com um par de castiçais, por exemplo) e as roupas de cada um são características típicas de um casamento judaico.
Durante a cerimônia, o noivo deve usar um kipá (acessório para a cabeça que certifica que o noivo acredita em um só deus) e quebrar uma taça com os pés ao final da cerimônia. Se ele não seguir a religião judaica, não poderá realizar os rituais típicos da religião. Assim, o pai da noiva, sogro do noivo, que deseja seguir a tradição, pode se colocar contra o matrimônio.
O processo de aculturação
Tendo vencido as diferenças impostas no processo do matrimônio, um casal bicultural irá passar pelo processo de aculturação. Quando um grupo cultural se une a um novo grupo cultural, um exerce influência sobre o outro. Assim, elementos culturais distintos podem se mesclar, levando ao surgimento de uma nova cultura.
Ao mesmo tempo em que a aculturação pode ser prejudicial, como foi para os povos colonizados que foram obrigados a reproduzir a cultura dos povos colonizadores, também pode ser um processo de troca de conhecimentos e experiências.
A aculturação, no caso de um casal bicultural, é percebida principalmente a partir do contato entre as duas famílias. Uma família muçulmana e uma família cristã, por exemplo, sendo a primeira residente no Marrocos e a segunda no Brasil, ao se unirem, acabariam aprendendo e talvez reproduzindo os costumes uma da outra.
Os benefícios com esse processo serão colhidos, principalmente, pelos filhos do casal, caso casal os tenha. As crianças irão crescer em contato com duas culturas, sem precisar escolher uma preferida, apenas aprendendo o que cada uma pode oferecer. É um processo importante para aprender valores como compreensão e harmonia.
A relação com o sogro
Como todas as culturas do mundo ainda são patriarcais, a figura do homem continua sendo vista como a principal fonte de conhecimento. Se um homem diz que uma cultura não é bem-vinda em sua casa, a outra parte não pode ousar se manifestar. Pode ser um gesto de respeito a esse homem, mas também é um sintoma de que a intolerância é permitida para ele.
É por esse motivo que muitas pessoas entram em conflito com os sogros. O pai do(a) cônjuge é a pessoa que tem o poder de decisão sobre a vida do(a) filho(a) nas famílias tradicionais. É quem tem a última palavra e quem define como a vida da prole deve ser, incluindo a religião que ela deve seguir e os hábitos culturais que deve reproduzir.
Quando um indivíduo externo à família atravessa esse espaço tão particular, é comum que o sogro apresente reações como estranhamento, insegurança, desconfiança, rejeição e intolerância. Pode ser difícil para um homem que quer perpetuar a tradição da própria cultura lidar com alguém que pensa e age de maneira distinta.
São muitas as situações que podem acontecer a partir desse embate, mas escolhemos as que são mais comuns para que você, que faz parte de um casal bicultural, saiba como lidar melhor com esse conflito. Aprenda!
1) O sogro não aceita a sua religião e faz constantes comentários negativos sobre ela.
Solução: embora o seu instinto diga para você defender a sua religião de cada crítica, o mais sensato a se fazer é mostrar que você não se incomoda com a diversidade de opiniões. Então você pode dizer para o seu sogro algo como: “Eu respeito o seu pensamento sobre a minha religião. Penso de uma forma diferente da sua, e é por isso que eu a sigo. Nossas religiões são diferentes, mas isso não significa que uma é pior ou melhor”.
2) O sogro critica os hábitos culturais do seu país e não quer que uma pessoa da família dele passe a reproduzi-los.
Solução: é comum que o seu sogro acredite que tem poder de decisão sobre a vida de quem ele criou. Por mais que não seja assim na prática, é importante que você evite dizer algo que poderia ofendê-lo. Opte por dizer: “Eu admiro a sua cultura, ainda que não seja a mesma que a minha. É difícil nos acostumarmos com a diferença, por isso sempre irá prevalecer a cultura que nos foi ensinada desde sempre, ainda que aprendamos novos costumes”.
3) O sogro não quer que o(a) filho(a) se case com alguém de outra cultura ou de outra religião.
Solução: uma só conversa não será suficiente para desconstruir a imagem negativa que o seu sogro tem sobre você. Aos poucos, busque deixar claro que você respeita a religião e a cultura dele e que não quer impor aquilo em que você acredita para a pessoa que você ama. Participe dos eventos nos quais ele estará presente e mostre que você é uma pessoa tolerante, amorosa e respeitosa.
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4) O sogro não quer que o(a) neto(a) entre em contato com uma cultura e com uma religião diferentes da dele.
Solução: seu sogro deve refletir sobre os motivos para não querer que o(a) neto(a) entre em contato com a diversidade. Ele tem medo de que essa pessoa não queira seguir a religião dele? Ele não gosta de algo que a sua religião ensina? Investigue quais são os receios dele e mostre que não há com o que se preocupar. É importante que ele saiba que o(a) neto(a) terá acesso aos mais variados tipos de conhecimento, aprendendo que cada um apresenta as próprias particularidades.