O Brasil sempre compôs cenários políticos conturbados. Fruto de uma independência endividada, o país teve a abolição da escravatura mais tardia das Américas e teve como seu primeiro presidente um ditador.
Após o retorno da democracia, a política nacional continuou sendo alvo de extremismos, escândalos de corrupção e de diversas crises financeiras.
Isso fez com que a população adquirisse, fundamentalmente, um caráter cético — marcado por desconfianças, críticas e questionamentos, tanto aos líderes políticos quanto ao próprio sistema governamental.
Mas o que exatamente é o ceticismo político e quais são suas consequências para a democracia brasileira? Para responder à essa pergunta, é necessário relembrar as bases filosóficas do ceticismo e compreender o comportamento do povo brasileiro em relação ao seu próprio governo.
O ceticismo de Pirro
Originalmente, eram chamados “céticos” os pensadores gregos que seguiam a filosofia de Pirro de Élis. O filósofo, ao viajar pelo mundo ao lado do conquistador Alexandre, o Grande, deparou-se com culturas, misticismos e religiões das Índias as quais nunca havia visto antes. Com isso, Pirro começou a questionar os dogmas gregos e a perceber que aquilo que era bom e justo em uma sociedade poderia não sê-lo em outra. A partir de então, passou a defender que o certo a fazer seria viver sem emitir juízos, e se abster de qualquer opinião definitiva.
Para manter essa postura neutra, então seria necessário questionar tudo que nos é apresentado, sem acatar à nenhuma afirmação como verdade absoluta — tanto na religião quanto na vida social e política. Assim, o cético passou a ser aquele que vê na ausência de opinião uma maneira de viver com mais tranquilidade, à medida que o constante questionamento se tornou a ferramenta necessária para buscar o verdadeiro bem comum.
Um país de céticos
Com as incessantes conturbações da vida política, não é difícil perceber os motivos que fizeram com que grande parte da população brasileira fosse vista como politicamente cética. No cenário atual, a emergência em grande escala de informações falsas (ou “fake news”), a multiplicidade de vertentes políticas, o desgaste ocasionado pelas sucessivas crises econômicas e os escândalos cada vez maiores de corrupção são alguns dos fatores que desnortearam o cidadão brasileiro e fizeram com que ele se abstivesse de um posicionamento político. Como resultado, as eleições presidenciais de 2018 tiveram um total de 42,1 milhões de eleitores que não escolheram nenhum candidato — cerca de um terço do total, compondo o maior percentual de votos brancos e nulos desde 1989.
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Contudo, os brasileiros possuem uma característica que os torna um caso particular: ainda que sejam nitidamente céticos quanto à política, eles também são ativamente engajados na vida civil. Mesmo que não tenhamos uma opinião definitiva quanto a certo candidato, certamente já criticamos ou apoiamos certas decisões. Nesse sentido, conversas sobre política, protestos e novas formas de participação, como o “ativismo on-line”, emergem de maneira a permitir o engajamento em uma nova democracia, que questiona e critica a tudo sem ter uma opinião formada sobre nada.
O ceticismo como ferramenta
Esse questionamento, contudo não é algo a ser evitado; o ceticismo nos permite ter uma visão mais crítica e agir com mais força impositiva por uma política mais transparente. Porém o problema se dá quando o próprio ceticismo se torna uma crença: não é difícil encontrar alguém que diz não acreditar em certa proposta política, sem nunca ao menos ter procurado aprender sobre ela. Do mesmo modo, há aqueles que se dizem céticos, mas acreditam em informações sem nenhum fundamento científico ou histórico-social prévio.
Por isso, é importante que o ceticismo seja utilizado não como uma ideologia, mas como uma ferramenta de análise. A crítica e o questionamento são essenciais para avaliar as informações e buscar a verdade, mas não devem ser usadas como desculpas para um posicionamento ignorante. Somente pelo ceticismo enquanto ferramenta, seremos capazes de lidar com as conturbações da política contemporânea de maneira engajada e comprometida com a busca pela verdade.