Em primeiro lugar, a difusão do conhecimento científico e as correntes migratórias põem a nu a desigualdade social e os seus conflitos congênitos apressaram o pluralismo cultural e religioso, a revisão dos fundamentos das crenças e a tolerância multicultural. Dito de outra forma: o multiculturalismo contemporâneo separa pobres de ricos, quem tem poder e quem vive à margem da sociedade.
Em segundo lugar, Rorty afirma que as teorias sobre causas das desigualdades e das injustiças sociais revelam as grandes tragédias do começo do século XXI, que são a repetição de padrões totalitários de consumo, comportamento e visão de mundo. Para ele, a veiculação pedagógica da ideologia e da alienação já são elementos suficientes de movimentos vindouros, como o preconceito, a alienação, o fascismo, a xenofobia, etc.
Nesse quadro, para o filósofo, a eficácia das ações educacionais reside mais em alimentar a esperança do que em ensinar a verdade.
Em terceiro lugar, Rorty informa que a história da filosofia conhece duas tradições: a platonista, voltada para a definição incondicional da verdade ideal e perfeita, em contraposição à realidade aparente e atual, portanto, imutável; e a antiplatonista (Hegel, Marx e Nietzsche), voltada para a concepção da verdade como produto de relações sociais, políticas e econômicas, portanto, sujeita a transformações históricas.
Em quarto lugar, Rorty opta pela segunda tradição, mas com reparos. Para ele, não se pode criticar a verdade ideal x aparente sem cair na mesma lógica platônica. Então, para sair do impasse, propõe o ensinamento holístico por inteiro. Muda o conceito de verdade, que para ele significa “coerência entre proposições”.
Ou seja, as palavras são instrumentos, produtos humanos, para interpretar, conservar e transformar, em suma, adaptar o homem ao seu meio ambiente, cumprir funções predeterminadas.
Em quinto lugar, Rorty afirma: se cuidarmos da liberdade, a verdade cuidará de si mesma. Segundo o autor, a saída pedagógica não reside na construção de uma teoria ou de um princípio fundamental, mas na democracia como experiência social bem-sucedida. Contestado a respeito dos descaminhos da democracia, responde: “A história ainda não acabou”. Ou seja, para ele, a humanidade deve cultivar aquilo que ela já vislumbra, isto é, tolerar as diferenças e reconhecer a liberdade individual e a singularidade das expressões culturais.
Em sexto lugar, Rorty esclarece: o sacerdote, o sábio, o filósofo e o educador não pregam a fidelidade à verdade cristalizada e dogmatizada, mas a esperança que alimenta a conversação contínua e plural visando à edificação das pessoas.
Para ele, o papel de todas as pessoas que lidam com o conhecimento, com a ciência e com a educação deve ser de ensinar a verdade, mesmo que para isso seja preciso sofrer as consequências da censura ou até mesmo sofrer com a exclusão da comunidade a que pertence.
Quem se arrisca a trilhar tal caminho? Pode-se perguntar, ainda, o seguinte: o problema de uma filosofia ou pedagogia que dá mais valor à esperança do que à verdade não é “o que somos nós?”, mas, sim, “no que podemos nos tornar?”. Se cuidarmos da verdade, a liberdade cuidará de si mesma? Se cuidarmos da liberdade, a verdade cuidará de si mesma? Como responder tais questionamentos?
Assim, verifica-se na obra de Richard Rorty, especialmente no seu livro “Filosofia e o Espelho da Natureza”, que serviu de base para a construção deste artigo, a certeza de que a primazia da educação não é ensinar a verdade, mas alimentar a esperança, isto é, redirecionar e vincular o sentido da ação educativa, ou seja, expandir os direitos individuais e coletivos já reconhecidos e incluir direitos ainda não admitidos, enfim, construir pontes entre as civilizações e cultivar a tolerância mútua.
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