O filme dirigido por Gabriel Martinez conta a história de seis pessoas com mais de sessenta anos que se reinventaram, propuseram novas experiências e quebraram paradigmas. Conheça Envelhescência, produção que estreou há poucos meses.
Muitas vezes temos algo taxativo em relação à terceira idade. Como se a partir dessa idade fosse difícil começar a fazer algo novo ou colocar em prática um velho e antigo sonho. O diretor Gabriel conseguiu captar bem a essência desta idade, sem deixar de lado as dificuldades da fase, mas também afastando a ideia de que já não é mais tempo de se movimentar, afinal os planos e os projetos continuam sendo importantes. Confira a entrevista com o diretor:
Eu sem Fronteiras: Como surgiu a ideia de fazer o Envelhescência?
Gabriel Martinez: Sempre quis trabalhar com documentários, em 2012 um amigo meu (Ruggero Fiandanese), que na ocasião trabalhava comigo na produtora, sugeriu alguns temas para desenvolver um documentário. Dentre os temas sugeridos estava a “Terceira idade”, esse foi um tema que me chamou a atenção na hora, sempre admirei as pessoas que encaram a velhice de maneira positiva. Eu estava com 34 anos e de vez em quando passava pela minha cabeça que eu estava velho para começar a fazer documentários, que deveria ter começado com 20, 24… Essa questão me instigava: “O que é ser velho?”, “Até que ponto a velhice é ou não é uma interpretação errônea da nossa percepção?”, “Quando, de fato, estamos velhos para começar algo novo?”. Fizemos uma rápida pesquisa e já nos deparamos com alguns personagens (que hoje estão no filme), a partir daí comecei a me encantar mais e mais pelo tema. Mergulhamos na pesquisas e depois veio a parte de inscrever em leis de incentivos fiscais e, posteriormente, captar patrocínio…
Eu sem Fronteiras: Quanto tempo de pesquisa e gravação?
Gabriel Martinez: A pesquisa dos personagens foi feita em 2012. Depois de ter encontrado seis personagens interessantes achei que seria de bom tamanho manter esse número de entrevistados, para que possamos sentir mais de cada um no filme. Se tivéssemos 20 personagens acabaria tendo muito pouco tempo para falar de cada um. Os especialistas (Alexandre Kalache, Mirian Goldenberg, Mario Sergio Cortella) foram definidos somente em 2014. O tempo de produção foram seis meses.
Eu sem Fronteiras: Como foi a repercussão do filme?
Gabriel Martinez: Muito bacana e continua sendo. Recebo muitos depoimentos de pessoas encantadas e entusiasmadas com o filme. Fico muito feliz vendo que ele serve como uma peça libertadora para muitas pessoas. Isso faz toda diferença, faz todo trabalho valer a pena.
Eu sem Fronteiras: Sua ideia de velhice mudou depois do documentário?
Gabriel Martinez: Sim, desde o momento da pesquisa até a conclusão das filmagens é realmente uma nova percepção que se compreende quando corremos uma meia maratona ao lado de uma pessoa de 84 anos ou quando surfamos com outra de 68. Hoje tenho exemplos empíricos do que pode ser a vida na idade madura, exemplos esses que eu não tinha antes.
Eu sem Fronteiras: Como você vê a velhice?
Gabriel Martinez: A meu ver, velhice não pode ser interpretada como “A melhor idade”. Na minha opinião a “melhor idade”, se fosse viável, seria a experiência que temos com 80 anos com o vigor físico (e cognitivo) dos nossos 20 anos. Isso não é possível. Mas a nossa vida após os 60, 70, 80 é aberta para inúmeras possibilidades, devemos ter o olhar e a interpretação certa dos fatos. Essa é a ideia que desejo expressar no filme.
Como foi colocado por Alexandre Kalache no documentário “Não há dúvidas de que a velhice vai te apresentar desafios”, mas esses desafios não lhe impedem de que você passe no vestibular com 76 anos e se forme em medicina com 82 anos, da mesma forma que não te impedem de saltar de paraquedas com 76 anos ou participar de corridas com 84 anos. Trabalhei com exemplos mais extremos no filme (surfe, paraquedas, tatuagem, corrida, aikido) justamente para exemplificar que os nossos limites muitas vezes dependem muito mais da nossa percepção do que das nossas possibilidades, como Cortella disse no seu depoimento “Limites são fronteiras, não são barreiras”. Outra reflexão importante é levantada por Mirian Goldenberg “Temos que ter projetos de vida grandes ou até pequenos”, ninguém precisa realizar algo extremo para vivenciar um bom envelhecimento, mas precisamos sim, sempre correr atrás dos nossos objetivos, sejam eles grandes ou pequenos.
Eu sem Fronteiras: Qual a maior dificuldade enfrentada por eles?
Gabriel Martinez: Eu não saberia responder por eles essa questão. Todos nós temos adversidades no nosso caminho e com a vida dos entrevistados não foi diferente. O que posso afirmar é que todos possuem em comum uma vontade muito concreta de realizar os seus desejos não importando as intempéries que estejam no caminho. Acho que o caminho para qualquer pessoa não é focar nas dificuldades, mas sim nas possibilidades.
Eu sem Fronteiras: Existem muitos personagens se reinventando nesta fase e colocando em prática sonhos em realidade?
Gabriel Martinez: Acredito que cada vez mais a idade está deixando de ser vista como uma barreira que nos impossibilita de realizarmos uma atividade nova. Os seis personagens do filme nos mostram através de suas vidas, cada qual no seu universo particular, que muitos caminhos são possíveis após os 60 anos de idade, espero poder contribuir para difundir essa convicção ainda mais com o documentário.
Eu sem Fronteiras: Qual a história que mais lhe chamou a atenção?
Gabriel Martinez: Todas são ótimas. Cada uma tem sua força e encantamento peculiar, difícil elencar apenas uma de forma que se sobressaia das outras.
Eu sem Fronteiras: Como foi a sua relação com os participantes ao ouvirem suas histórias e experiências?
Gabriel Martinez: Minha relação com os personagens foi de amizade. Já tinha entrevistados todos (exceto o Luiz Schirmer que mora em Florianópolis) previamente em 2012. Já sabia das histórias e por isso fiquei muito a vontade com os personagens durante as filmagens em 2014, acredito que o bem-estar entre equipe e entrevistados seja crucial em um ambiente de documentário.
Eu sem Fronteiras: Quais os próximos planos?
Gabriel Martinez: Tenho alguns projetos que estão em fase de pré-produção. Como sei que o caminho até ele se concretizar ainda é longo… prefiro não comentar no momento, deixo para comentar quando já tiver captado patrocínio.
Eu sem Fronteiras: Como foi a seleção dos personagens?
Gabriel Martinez: Com exceção do Ono Sensei, que foi indicação de uma amiga, todos foram encontrados através da internet. Judith Caggiano, Edson Gambuggi, Oswaldo Silveira, Edmea Correa e Luiz Schirmer já tinham aparecido na mídia em algum momento. Junto com eles encontramos muitos possíveis personagens interessantes, no momento de transformar o argumento em um filme tive que optar por um caminho. Foi aí que decidi trabalhar só com seis personagens, assim conseguiria mais tempo para me aprofundar na história de cada um (considerando um longa metragem de 74 minutos, acabei ficando com 84 minutos de filme). Temos uma média de 12 minutos por personagem e o resto do tempo preenchido com os comentários dos especialistas. Os especialistas também foram um processo árduo de seleção, existe muita gente interessante e competente na área. Optei por pegar um gerontólogo (Alexandre Kalache), uma antropóloga (Mirian Goldenberg) e um filósofo (Mário Sérgio Cortella), assim cada um teria um embasamento diferente pelo tema. Assisti muitas palestras dos três selecionados para estudá-los. Quando li o livro “A Bela Velhice” de Mirian Goldenberg, sabia que ela tinha que estar no filme. Da mesma maneira fiquei fascinado pelo livro “Vivemos Mais, vivemos bem?” de Mário Sergio Cortella. O Alexandre Kalache é uma referência no tema, foi de uma entrevista dele (em 2012) que ouvi o termo Envelhescência, gostei e decidi intitular o filme assim.
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*Nota: O Alexandre Kalache não usa mais o termo Envelhescência, ele mudou para Gerontolescência devido ao fato de que ele participa de muitas palestras fora do Brasil, a tradução do termo Gerontolesciencia funciona muito melhor para o inglês (“Gerontolescence”).
Sobre a trilha
A trilha do filme tem sido muito elogiada e é motivo de grande orgulho poder ter trabalhado com o Diretor Musical Marcelo Fruet, porto-alegrense, assim como eu. Marcelo é o intérprete do cover adaptado da música Envelheser (Arnaldo Antunes) tema do filme Envelhescência. (segue em anexo uma foto minha e do Marcelo Fruet no seu estúdio em Porto Alegre).
• Entrevista realizada por Angelica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras