Presenciei os últimos dias de inverno (dignos de verão devido ao calor insano) sentada no jardim de casa observando o vento assobiar, fazendo graça bagunçando meus cabelos e queimando minhas bochechas já naturalmente rosadas.
Momentos de introspecção e acolhimento. Sentir-me semente esperando a chuva para florir.
Quando o vento cessava, escutava o silêncio. Silêncio que às vezes machuca porque estou me ouvindo, investigando meus pensamentos e sentimentos. Mas, considero uma dádiva em dias tão barulhentos poder pausar e silenciar para ouvir o que meu coração tem para me dizer.
Conseguir me ouvir é importante para realizar o balanço de inverno e dar boas-vindas à primavera – estação que representa renovação de ciclos e crescimento. Representação perfeita de transformação; saída do recolhimento para o florescimento. Estação do despertar.
E numa destas tardes, acordei do cochilo com a barriga roncando por alguma coisa diferente. Resolvi preparar uma sobremesa. Já que estou avaliando uma possível transição de carreira, porque não tentar algo diferente e inusitado?
Gosto muito de cozinhar, mas preparar doces não está na lista de minhas habilidades culinárias, e se preciso elaborar uma sobremesa, a cozinha se torna um território hostil. É muito inusitado pra mim.
A sobremesa escolhida foi calda de maçãs. Logo na primeira linha da receita: descascar as maçãs. (?!)
Nunca descasquei maçãs. Sempre que preparo sucos, bolos ou mesmo comendo as benditas nunca senti necessidade de tirar a casca. Não sei descascar maçã. Reconheço sem acanhamento.
Podemos pensar; como assim não sabe descascar uma maçã? Parece um pouco ridículo; como não saber fritar um ovo. E nem é tão fácil assim fritar um ovo. Comparados, descascar a maçã foi uma tarefa relativamente fácil.
Consegui tirar as cascas. Claro que não cabe aqui a descrição da cena, pois foi um pouco cômica. Destaco a parte interessante: me permiti verbalizar “não sei” para algo que parecia muito simples. Considerei que apesar de nunca ter feito, não significava que não conseguiria realizar.
Esta descrição boba da sobremesa é para ilustrar que estava cansada de estar alerta e parecer inteligente. Não precisava provar que sei descascar uma fruta. Queria contemplar o frescor de uma atividade nova e simples. Muito relacionado à busca pelo que fazer em relação à minha carreira: dizer sem receios que “não sei”, mas estou disposta aprender algo novo com a mesma alegria e disposição que dediquei a tudo que hoje “sei”.
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Ser diferente a cada experiência, ser como a primavera de Clarice Lispector que “renasce cada dia mais bela exatamente porque nunca são as mesmas flores”… “A beleza da vida se esconde ali, basta querer enxergar”.
Sobre a sobremesa, aproveitei o tempo para brincar de Rita Lobo e sonhar acordada. Depois acordar e constatar que visualmente meu doce ficou um desastre, quando meu marido entrou na cozinha e olhou para a panela dizendo: Batatas ao molho madeira?
Morri. De rir.