Algumas vezes, você se pegou reclamando da qualidade do ensino no Brasil mesmo tendo a possibilidade de pagar por escolas particulares? Será que a educação foi pensada realmente para tornar o cidadão em um ser pensante ou priorizou o ser doutrinável?
Para entender o motivo dessas questões, que tal voltarmos para o início de nossa história?
De acordo com Ribeiro (1993), os primeiros alunos estudaram sob o comando da Companhia de Jesus, em que jesuítas tinham a missão de converter os nativos à religião católica, iniciando com as crianças, porém os níveis avançados de conhecimento foram direcionados para os homens da classe privilegiada, com exclusão de todas as outras pessoas e dos primogênitos. Ali surgia a educação voltada para os endinheirados, que, em troca, contribuiriam para o fortalecimento religioso no país.
Durante o Período Colonial, foram introduzidas obras sobre latim, teatro, artes, filosofia, matemática, conceitos de ambiente escolar. A primeira universidade, entretanto, teve seu início adiado por não atender os requisitos considerados primordiais pela Igreja Romana, segundo Ribeiro (1993).
Alves (2008) indica o momento em que os jesuítas foram forçados a retornarem para a Europa, após mais de 200 anos de trabalho na educação com foco religioso para população, ditando regras de comportamento àqueles que antes andavam nus e tinham uma vida diferente daquela cujos códigos europeus julgavam impura. Ademais, alegava-se que havia uma proteção dos nativos do contato com os colonizadores, com a preservação de costumes de sobrevivência, como plantar seu alimento.
A forma educacional mudou drasticamente, com redução do tempo de estudos, formação de negociantes e acesso aos cursos superiores de pessoas mais privilegiadas. Tornou-se foco mandar riquezas para Portugal, explorando ao máximo os recursos naturais. Segundo Alves (2008), as línguas indígenas foram fortemente combatidas, sendo imposto o aprendizado do português. O cargo de professor era nomeado por religiosos, em posições vitalícias, humilhados e muito mal pagos (será que isso mudou?).
A substituição de jesuítas na educação teve resultado desastroso.
A primeira universidade da América Latina ocorreu em 1538, na atual República Dominicana, no mais antigo assentamento do Novo Mundo, conforme Bortolanza (2017). Antes que escolas de ensino profissional fossem fundadas no Brasil, já existiam no continente latino trinta instituições, sendo os Estados Unidos o país que teve grande expansão do ensino, formando cientistas e doutores. O ensino superior só foi criado de modo mais evidente no século XX, sendo precedidos por escolas de formação superior de profissionais liberais, como Direito e Medicina. Esse modelo de ensino era centralizado e continuou sendo direcionado aos privilegiados.
A primeira universidade surgiu de fato no Paraná, em 1920, a Universidade do Brasil, conforme cita Sampaio (1991).
Com essa pequena historiografia, é possível começar a argumentar sobre a formação de um povo com capacidade de pensar um tanto atrasado em relação aos nossos vizinhos da América e ainda mais atrás dos europeus; a primeira foi a de Bolonha, Itália, em 1088, de acordo com Varela (2015) e asiáticos, conforme Simões (2013), a Universidade de al-Mustansiriya, no Iraque em 1233. Conforme Varela (2015), foi no Marrocos a criação da primeira universidade no continente africano, datada de 859 d.C., que foi uma instituição de origem islâmica.
No atual momento, segundo Kauling et. al (2010), no Brasil são oferecidas como alternativas de ingresso à universidade, além dos tradicionais vestibulares, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Financiamento do Estudantil (FIES). Além disso, foi implementada a Lei das Cotas (nº 12.711), de 2012, como uma ação afirmativa de ensino universitário, segundo Guarnieri e Melo-Silva (2017), em que deve ser reservado 50% de vagas para pessoas que estudaram em escola pública, além de uma porcentagem para estudantes indígenas e negros.
Com essa pincelada sobre o ensino no país, é possível visualizar as grandes dificuldades, os erros, os acertos, as decisões que estimularam a manutenção dos privilégios para determinado nível social e a precarização da educação para os mais desfavorecidos. E nesse relato apenas coloquei estudos sobre o desenvolvimento da universidade no país e as comparações de calendário de fundação de entidades pedagógicas com outras instituições na América e outras partes do mundo.
Ao ler todos os artigos e os estudos publicados por acadêmicos, pergunto a vocês: será que toda essa estratégia de restringir o acesso de pelo menos grande maioria de pessoas residentes no país ao conhecimento baseado em evidências científicas tem prejudicado as principais decisões na nação? Teríamos resultados de maior qualidade nas eleições, no acompanhamento de instruções médicas, no respeito à legislação vigente, no relacionamento entre as pessoas?
A evasão escolar é algo que ainda ocorre vigorosamente no país, mesmo com dados que refletem a redução do evento, segundo Dourado et. al. (2020), pois ela ocorre devido ao desempenho insuficiente, com notas insatisfatórias, e à ausência no curso. No ensino médio, os números refletem uma taxa ainda maior do que no ensino básico e fundamental.
O fato de existir no país pessoas que não conseguiram concluir os estudos pode trazer consequências muito sérias, que aparecem nos atos, na disciplina, no processamento das informações que recebem. O aprendizado fica prejudicado e o que podemos ver são trabalhadores com baixa formação intelectual, com ocupações que não exigem tecnicidade, focada apenas na execução de ordens, não contribuindo para adoção de outras formas de resolução de problemas. Além desses, há ainda o desperdício de talentos natos, porém sem oportunidade de serem desenvolvidos, com ainda mais ensinamentos.
Ao contrário, a sociedade como um todo poderia sair ganhando se investisse em educação de qualidade para todos. Algumas funções mais braçais têm como destino a extinção ao serem substituídas por máquinas, a chamada indústria 4.0. E a grande pergunta é: o que fazer com essa mão de obra sem especialização técnica?
De acordo com Silva Fº (2019), os trabalhos que trazem desgaste físico e ocupações repetitivas estão sendo substituídos por robôs, manutenções feitas de forma remota; um único técnico tem o controle de diversas máquinas ao mesmo tempo, levantando discussões sobre a substituição e o tipo de profissional que está surgindo no mercado de trabalho.
Então, faço a seguinte pergunta: o que nós, como sociedade atuante e questionadora, poderemos fazer para nos atualizarmos e auxiliar as outras pessoas que estão ao nosso redor, seja um amigo, um familiar, um colega de trabalho ou mesmo um funcionário, a acompanhar todas essas mudanças, que antes pareciam coisas de futuro e que agora estão tão palpáveis?
Você também pode gostar:
Precisamos formar uma comunidade robusta, que tenha poder de decisão, com foco no ganha-ganha. Já vimos que as pessoas sem discernimento entre o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, o engodo e a retidão, o achismo e a ciência, o charlatanismo e o metodismo apresentaram maior probabilidade de fazer escolhas equivocadas em relação às que tiveram a chance de obter mais entendimento de diversos assuntos.
Vivemos em um país em que a leitura não é tão praticada e o acesso aos livros ainda é baixo. É uma escolha entre o prato de comida e algumas páginas cheias de letras e de informação. É uma opção entre tirar um cochilo depois de horas de trabalho e em transportes públicos ainda hoje precários e o depósito dos olhos e do pensamento sobre um punhado de palavras.
Assim, deixo aqui a minha última pergunta: o que você pensa em fazer para espalhar mais conhecimento no meio onde vive e melhorar o ambiente nacional?