Somos crianças entediadas engatinhando em um mundo novo sem nada para fazer. Mas como crianças precisamos de ação, atividade; então a buscamos.
Nessa busca nos deparamos com algum brinquedo. A criança para. Olhos arregalados, boca aberta, dedos agitados. O brinquedo é lindo, sua forma e brilho nos atraem. Nossa curiosidade se infla a ponto de estourar. Olhamos ao redor e vemos outras crianças, todas com um brinquedo igual ou semelhante. Isso só faz a curiosidade aumentar. Tantas crianças maravilhadas com aquilo, só pode ser o que procuramos. A criança engatinha até a coisa.
Em suas mãos aquilo parece brilhar ainda mais. Ela sorri, agita o brinquedo acima de sua cabeça, o coloca no chão, vira de um lado, ajeita de outro, morde. O tédio por um momento desaparece.
Depois de um tempo, o brinquedo parece perder o brilho. A forma já se desgasta e a criança começa a se ver entediada. Já deu ao brinquedo todo tipo de uso que seu cérebro infantil poderia conceber.
Frustrada, ela larga o objeto e segue em busca de algo mais para se ocupar.
Logo ela encontra um novo brinquedo, maior e mais brilhante. Animada, ela acelera o ritmo em sua direção.
Os dias passam e a criança segue encontrando e largando os mais variados brinquedos. Nada lhe satisfaz. Tudo cai facilmente no vácuo frio do tédio.
Assim somos. Grandes crianças procurando se distrair com seus brinquedos. Com a pequena diferença de que aprendemos a guardar os nossos.
Temos dois motivos fortes para isso. O primeiro é que, diferentemente da criança, a maioria não obtém o brinquedo sem esforço. E o segundo é que aprendemos que, quanto mais temos, mais admiração atraímos para nós.
Afinal, se essas crianças buscam por brinquedos em busca de satisfazerem-se, é de se esperar que a criança com muitos brinquedos seja vista pelos outros como alguém pleno. Pela lógica, isso seria sensato.
Na prática, a teoria se revela outra. Aqueles que acumulam grandes montantes de brinquedos percebem que continuam totalmente insatisfeitos. Como a criança no começo da história, ela facilmente se entedia com o novo brinquedo. E, quanto mais possui, mais tediosos todos eles se parecem.
Porém, mesmo insatisfeita, a criança rica de brinquedos jamais assume aos outros seu descontentamento. Em vez disso, ela se orgulha de si e procura sempre exibir o sorriso de sucesso que os outros esperam dela. Um sorriso que se desfaz no momento em que não há ninguém para olhar.
Com isso a criança aprende um novo modo de se distrair. Cultivar a admiração dos outros, ou a inveja, mas para ela tanto faz. A atenção para si lhe parece servir bem como ocupação. E as outras crianças, cobiçando todos aqueles brinquedos, se esforçam para obter o máximo que puderem, e assim o jogo começa.
Agora parece que a vida está encaminhada. Todas as crianças encontraram uma distração que lhes ocupe o tempo. Acumular brinquedos. Quem tem mais vence. As que nada possuem nada são. Ótimo, o jogo nunca acabará, pois há sempre mais para se ter, é perfeito. Agora todas as crianças têm o que fazer.
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Mas de noite, em suas camas, o jogo cessa, e algo lhes parece errado, elas ainda se sentem entediadas. Confusas se viram e se obrigam a dormir. No outro dia ouvem de todos os lados outras crianças alegando que estão muito felizes com seus brinquedos novos. As crianças confusas, acreditando serem as únicas confusas, acham melhor fazer o mesmo. Melhor não parecer diferente. Então fingem o mesmo contentamento e contam vantagem de suas novas aquisições. Pobres ingênuas, mal sabem que a confusão é geral.
Assim mais um dia se finda neste jogo incessante e sufocante, e as crianças voltam para suas casas cheias de novos brinquedos. Elas os ajeitam em suas salas e quartos e vão para cama, onde se deitam entediadas com o olhar vazio voltado ao teto e palavras ecoando na mente.
O que falta?