Autoconhecimento Psicanálise

Crianças que dormem com os pais: a quentinha e perigosa cama da mamãe

Mãe, pai, seus dois filhos e seu gato dormindo na mesma cama, vistos de cima.
Foto: iakovenko/123RF

É muito comum que os filhos pequenos apareçam no meio da noite à procura de um cantinho na cama da mamãe e do papai. Geralmente isto ocorre entre os 2 e 5 anos. Mas será que permitir que eles se aninhem entre os cobertores dos pais é uma atitude saudável? O que fazer quando isto acontece? É errado uma criança dormir na cama dos pais?

A criança pequena ainda não tem a sua individualidade amadurecida. Quando ela acorda no meio da madrugada, ela se sente sozinha, desamparada, e ficará tranquila quando estiver próxima dos pais.

Uma atitude interessante nesta situação seria acolher esta criança por alguns minutos com carinho e, posteriormente, levá-la de volta para a cama dela – mesmo que isto implique em fazer este trajeto várias vezes… e não vale levar a criança e dormir na cama dela! Caso necessário, melhor seria ficar alguns minutos em uma cadeira a seu lado.

A criança precisa vivenciar que seus pais estarão sempre dispostos a protegê-la, mas que cada um tem o seu espaço na constituição familiar.

“Ah”, diriam alguns, “mas é tão bom dormir com meu filho, ele é tão indefeso, ele chora desesperadamente e eu acabo cedendo, é muito mais prático deixá-lo dormir comigo, que mãe ou pai eu seria se deixasse meu filho (ou filha) sozinho naquele quarto escuro, frio, solitário… e eu já fico tanto tempo longe dele, no trabalho”. Estas são justificativas muito comuns ouvidas dos pais, e por detrás delas há justamente uma intenção de resolver suas próprias questões emocionais conflituosas. Mas isto já é um assunto para outras conversas.

Quando é permitido que os filhos permaneçam na cama de seus pais, contribui-se para que a criança venha a desenvolver inúmeros conflitos na sua vida adulta. Vejamos alguns deles:

Família de pai, mãe, seus dois filhos e seu gato de estimação deitados em uma cama, juntos.
Foto de Ketut Subiyanto no Pexels

Quando o bebê nasce, ele não tem formada a sua individualidade; ele não formou ainda o seu Eu. Há uma indiferenciação entre o bebê e o mundo (ou seja, ele não sabe a diferença entre ele e o outro), e principalmente entre o bebê e aquele que exerce o papel de cuidador/cuidadora – na maioria da vezes a mãe (o bebê se percebe colado à mãe). Quando a mãe age de maneira superprotetora, não permitindo que este bebê comece lentamente a se afastar dela, ela pode dificultar a formação do Eu. Esta ligação simbiótica entre mãe e bebê pode contribuir para que a criança tenha dificuldades em se relacionar com o que – e quem – estiver fora desta relação, causando inseguranças, dependências, e até mesmo, em casos  extremos,  comportamentos com características autísticas. “Mas tudo isso só porque durmo com meu bebê na cama?”. É que, geralmente, uma mãe que não permite que seu bebê durma em seu próprio quarto também, sem se dar conta, acaba tendo atitudes simbióticas durante o dia. Dormir com o bebê, neste caso, é só um sintoma.

Além disso, durante a formação psíquica da criança, ela necessita receber na medida certa amor e limites. Excesso de proteção vai gerar uma criança dependente e insegura, que sempre precisará de alguém que a complete. Ela  poderá se tornar um adulto fixado a uma fase infantil onde recebeu excesso de aconchego.

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Ainda há outras questões: a estruturação da personalidade e a orientação do desejo se forma na primeira infância. Uma das bases da psicanálise – o complexo de Édipo – está intimamente ligada a esta estruturação. Segundo Laplanche e Pontalis, o complexo de Édipo consiste em um “conjunto de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais (…), [e] apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto”. Assim a criança (entre 4/6 anos) pode inconscientemente desejar o desaparecimento do parental do mesmo sexo para poder ficar, de forma fantasiosa, com o parental do sexo oposto: o filho quando dorme na cama quentinha com a mamãe, concretiza um desejo fantasioso de ter a mãe e afastar o pai. Para que, neste caso, o menino possa se tornar um homem que venha a desejar e conquistar outras mulheres e não desejar mais a mãe, ou seja, superar este complexo, faz-se necessário que haja uma interdição desta fantasia pelo pai. É preciso ficar muito claro que a mamãe é a namorada do papai. E o mesmo vale para as meninas.

Criança dormindo, vista de perto, deitada enquanto segura seu urso de pelúcia.
Foto de Ketut Subiyanto no Pexels

Uma criança dormir cama dos pais regularmente acaba interferindo na intimidade do casal: ponto para a criança sedutora!

Voltemos ao nosso título. A caminha da mamãe ou do papai pode ser muito agradável, mas se constitui em uma perigosa armadilha na formação do desejo sexual e da personalidade da criança. Ela deve ser levada a perceber que a caminha quentinha da mamãe é para o papai.

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Sobre o autor

Tânia Regina Baptista

Psicanalista, é graduada em Fonoaudiologia clínica há 24 anos, e Mestre em Educação - Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi docente no curso de graduação em Pedagogia e no pós graduação em Psicopedagogia de 2007 a 2013, lecionando nas áreas de Educação e Saúde, Educação Inclusiva e Desenvolvimento Infantil.

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