Autoconhecimento Comportamento

Crítica construtiva

Imagem de fundo preto e em destaque uma mulher com cabelo preso e óculos, olha em um espelho, trazendo o conceito de autocrítica.
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Escrito por Nina Veiga

Apolo e Dionísio representam modos distintos de criticar o mundo: enquanto a luz clara de Apolo revela falhas com distância, a energia dionisíaca convida a dançar junto à cena iluminada, promovendo transformação pela participação e compreensão ampliada dos processos da existência. Essa crítica transformadora, ao invés de imobilizar, aquece e movimenta, integrando-nos na cena que queremos mudar.

Apolo e Dionísio, os deuses irmãos, podem nos fazer perceber outros modos de criticar o mundo. Apontar falhas e defeitos nas cenas para as quais olhamos, para então propor que mudem parece que só geram resistência, reatividade e imobilização. Será que tem outro modo de ver o que consideramos errado em uma situação e não ficar apenas na contemplação do apontamento?

Quando a luz focal de Apolo vira flecha, fere e imobiliza. A bela força apolínea fica deslocada, desperdiçada e nos faz entristecer, produz uma potência triste. Apolo, o grande iluminador, tem sua maior qualidade em nos permitir ver com clareza situações do mundo. Nosso desafio é ver com clareza e resistir a apontar. Todo apontar é “de fora”, destacado do que se vê e implica-nos muito pouco. Apenas a ponta do nosso dedo se expõe, o corpo parado fica fora da cena iluminada, na proteção da sombra.

Para nos ajudar a vencer o desafio de ver sem apontar, temos de convocar a ajuda intensiva de outro deus: Dionísio, o senhor da alegria. É Dionísio quem nos mostra como usar a vontade de flechar, o impulso e a energia necessários no ato de lançar uma flecha para então, ao invés lançá-la, de apontar de fora, de criticar o que, com o auxílio da luz de Apolo, pudemos ver, dançar junto à cena iluminada.

Dançar junto ao invés de apontar, eis o desafio de nossa época. Dançar junto produz movimento, calor, flexibilidade e afeta a cena alegremente. Dançar junto implica nosso corpo todo e o coloca dentro da cena iluminada. É de dentro da cena, junto a ela, iluminados pela apolínea luz, em um movimento de aproximação alegre e amorosa, promovido pelo dançar dionisíaco, que podemos promover as transformações indicadas pela visão apolínea.

Imagem de uma mulher, próxima ao tronco de uma árvore, usando uma blusa preta e colocando a sua mão em frente ao seu rosto, trazendo o conceito de autocrítica.
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Essa visão iluminada critica o acontecimento, aponta as falhas, mas não quer se envolver, considera-se fora da cena. No entanto, muitas vezes, ao entrarmos na cena e dançar junto, começamos a percebê-la de modo diferente. Pois, há coisas que não são possíveis de serem percebidas pela clareza apolínea.

Assim, quando dançamos juntos, o calor, o cheiro dos corpos, as sensações que a dança dispara podem ser sentidas. E essas sensações, quase sempre, alteram a crítica que fizemos, enquanto estávamos unicamente baseados na percepção luminosa da superfície.

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Criticar e sugerir transformações a partir da percepção de que fazemos parte daquilo que vemos, amplia nossa compreensão dos processos da existência. Nos coloca em questão na cena, ao invés de apenas a criticar de um lugar fora dela.

Dançar junto ao invés de apontar. Deixar-se iluminar pela apolínea luz e deleitar-se na alegria dionisíaca da dança, eis um modo de fazer uma crítica que transforma e constrói mundo.

Sobre o autor

Nina Veiga

A artemanualista e ativista delicada Nina Veiga é doutora em educação, escritora, conferencista. Sua pesquisa habita o território da casa e suas artes, na perspectiva da antroposofia da imanência. É idealizadora e coordenadora do coletivo Ativismo Delicado e das pós-graduações: Artes-Manuais para Educação, Artes-Manuais para Terapias e Artes-Manuais para o Brincar. Desenvolve trabalhos de formação de artífices e escritores. Suas oficinas associam o saber teórico-conceitual às artes-manuais como modo de existir e à escrita como produção de si e do mundo.

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