Convivendo Educação

Desescolarização: um estilo de vida, uma jornada a ser trilhada

Escrito por Andreia Howell

(Andreia Howell é membro do “The Alliance for Self-Directed Education”)

Desescolarizar é mudar o estado mental que limita a nossa vida por estar distorcido por meio de conceitos e paradigmas absorvidos inconscientemente da cultura escolarizada.

A escola não forma seres humanos completos, ela expandiu para a camada mais pobre da sociedade após a Revolução Industrial com o objetivo de formar trabalhadores conformistas, utilizando um sistema autoritário, por meio de punição e recompensas, modelo patriarcal. A segregação é feita por meio da faixa etária e classe social, limitando assim a nossa habilidade de se conectar com pessoas de todas as idades, interesses e classes sociais.

“A liberdade de aprendizado de uma pessoa é parte de sua liberdade de pensamento, ainda mais básica do que a sua liberdade de expressão.” – John Holt.

Somos condicionados a viver no futuro, pois a escola tradicional propõe que somos seres incompletos e inacabados até que o ciclo escolar esteja completo, essa mentalidade estabelecida após 12 anos convive com nós anos após a tão aguardada graduação e assim nos tornamos seres olhando para o futuro e perdendo o presente. E quanto mais cedo esse processo tiver início (2 ou 3 anos de idade), melhor. Afinal, a criança não tem a oportunidade de desenvolver o ser, pois o fazer sobrepõe a essência e mais inconsciente ela se torna.

Esse é o legado que queremos perpetuar?

Formamos uma sociedade ocupada e distraída, com seres desconectados e insatisfeitos.

A escolarização deixa de herança indivíduos com uma mente dependente e presa, acreditando que o seu valor e o direito como ser estão ligados aos valores externos, valores esses determinados por uma sociedade inconsciente: excesso de consumo, destruição ambiental, inequalidade, isolamento social, consumo de produtos químicos, incluindo os agrotóxicos, declínio da saúde mental, crianças crescendo longe dos pais, etc. É essa a herança que o sistema escolar parece estar deixando!

Por isso, a desescolarização não é somente uma filosofia educacional, mas um estilo de vida.

Crescemos acreditando que a sabedoria está no acumulo de conhecimento externo que só seremos felizes se provarmos que somos capazes, se controlarmos o futuro, se pensarmos positivo, se os nossos valores forem reconhecidos e se acumularmos conhecimentos, enfim, enfatizamos o fazer em detrimento do ser! Claro que fazer tem o seu papel e o seu momento, mas esquecemos de lançar um olhar para dentro.

Buscamos tudo no mundo externo! Fomos condicionados pela cultura que nos cerca a não confiar nos nossos filhos e nem em nós mesmos, em uma camada tão profunda, que não detectamos essa falta nas decisões do nosso dia a dia.

A autoestima de uma criança é inteira, ela é extremamente fluida na sua vibração, ela passa de frustrada para feliz em apenas alguns instantes. A energia, a espontaneidade e a curiosidade são coisas intrínsecas, fazem parte de quem ela é, ela não busca no mundo externo.

Onde e como tudo se perde no meio do caminho?

Desescolarização é viver e aprender naturalmente, juntos, com amor e respeito. O fascinante sobre a desescolarização é a liberdade e o estilo de vida baseados na confiança, é viver no momento presente.

Desescolarizar permite que as crianças descubram os seus interesses e talentos, aqueles que realmente pertencem a elas, que as conduzem para uma vida de amor pelo aprendizado constante.

A Segunda Revolução Industrial ocorreu por volta de 1860 a 1900, o modelo escolar não evoluiu muito nos últimos 100 anos, mas o mundo hoje é globalizado e informatizado. Estamos saindo da era do conhecimento e entrando na era da criatividade, os profissionais criativos, dinâmicos, de mentes livres e entusiasmados pelo aprendizado e descoberta serão necessários, o conhecimento (fatos de memorização) estará disponível por meio da tecnologia (ex.: Google).

O “ser” está se sobressaindo uma vez que os robôs estão substituindo uma boa parte do fazer: ser dinâmico, ser interessado, ser flexível, ser visionário, ser criativo, ser gentil, ser comunicativo, ser íntegro, ser atencioso, ser equilibrado, etc.

A maioria dos empregos futuros, que serão para as crianças que estão em idade escolar, ainda não foram criados, mas as escolas ainda não começaram a preparar essas crianças.

“Nas sociedades desenvolvidas, estamos tão acostumados a centralizar o controle sobre o aprendizado que se tornou funcionalmente invisível para nós, e a maioria das pessoas aceita isso como natural, inevitável e consistente com os princípios de Liberdade e Democracia.” – Carol Black (Emmy Award winning, escritora, diretora, produtora e cocriadora da série “The Wonder Years” – Anos incríveis).

O “Deschooling” (Desescolarizar) é um processo, leva tempo e autorreflexão. Algumas pessoas dizem que você deve considerar por volta de 1 mês para cada ano escolar. Levando em conta que esse é para o padrão Americano de 6 horas por dia na escola.

12 anos de escola = 12 meses de Deschooling.

Eu, particularmente, por meio da minha experiência, digo que desescolarizar é um processo contínuo.

Alguns aspectos a serem considerados e que podem ajudar no início do processo de “Deschooling”:

O aprendizado não é linear – Claro que nos assumirmos ser, pois esse é o imposto pelo modelo escolar. Após tantos anos da escolarização e coagindo crianças de 2 ou 3 anos a “aprender”, não há oportunidade para testemunhar o aprendizado natural e espontâneo.

Valorizar o aprendizado com o corpo todo – A escola enfatiza o cérebro acima do corpo. Quando há estímulos sensoriais envolvidos, a aprendizagem é real e orgânica e não um fato isolado memorizado. Somente ver a foto de uma flor ou ver, cheirar, observar como se move ao vento e tocar são experiências diferentes.

Socialização – As famílias ou indivíduos adeptos da educação alternativa não são indivíduos reclusos, na verdade, eles não só realizam as mesmas atividades (atendem a eventos, festivais, participam de atividades extracurriculares, esportes, vão ao supermercado, lojas, etc.), mas estão integrados e interagindo com pessoas de várias idades e estilos de vida. Não confunda “socialização” com “socializar”!

O papel da natureza – De acordo com um estudo da University of Essex, até mesmo 5 minutos de interação com a natureza pode produzir rápida melhora no bem-estar mental e na autoestima, com os jovens experimentando maiores benefícios. Além disso, brincar na natureza e com os seus elementos traz benefícios para as crianças, entre elas: a exposição à biodiversidade.

As qualidades que celebramos nos adultos são as que depreciamos nas crianças – Inibimos e depois cobramos, mas esperamos uma sociedade justa e equilibrada: o adulto é persistente, comunicativo, ativo e corajoso, a criança é teimosa, não fica quieta e é desobediente.

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A desescolarização requer pais/cuidadores envolvidos, conscientes, integrados e confiantes.

Esse estilo de vida não é para todos, mas eu acredito ser possível para muitos.

Para saber mais sobre Deschooling, leia: “O Processo de Desescolarizar (Deschooling) como base para o Sucesso no Ensino Domiciliar (Homeschooling)”.

Sobre o autor

Andreia Howell

Andreia morou na Austrália e desde 2007 reside nos Estados Unidos.

Graduada em Nutrição com Pós-graduação, atuou 15 anos na área de Nutrição Clínica.
Formada em Ballet Clássico dançou e deu aulas no Brasil e Estados Unidos.

O seu estilo de vida trouxe a oportunidade de conviver com indivíduos de diferentes continentes e culturas.
Apaixonada pelos mistérios e enigmas do desenvolvimento humano, nos últimos 8 anos vem estudando e observando o comportamento humano, principalmente ligado a primeira Infância, o que a levou ao processo de desescolarização e um interesse crescente sobre o início da vida e o condicionamento e adaptação da mente humana em diferentes ambientes e circunstâncias.

Seu trabalho tem influência de Gabor Maté, Shefali Tsabary e Gordon Neufeld entre outros.

E-mail: andreiahowell@hotmail.com