Artigo exclusivamente adaptado para o Eu Sem Fronteiras, do livro “O Vampiro no Divã”, de Deva Layo.
O mito é a vitrine do arquétipo que ele representa, por mais que os romancistas modernos tentem libertar o vampiro do fardo de ser um psicopata, assassino e predador ou mesmo a tentativa de torná-lo mais simpático aos mortais, essas características sempre serão parte de sua natureza.
Em um paralelismo com as línguas eslavas, o termo “upyr”, convertido na palavra vampiro, originalmente usado para designar “bruxos” e praticantes do paganismo, começou a ser usado no século X como referência às pessoas que recusavam a conversão ao catolicismo e àquelas de baixo status social.
Tais indivíduos ainda viviam nos campos e insistiam seguir os antigos cultos de fertilidade que renovavam a terra para as plantações. Essas práticas espirituais envolviam processos extáticos e eram muito mal vistas pela nova religião.
Avançando no tempo, já no século XV, o vampiro como personagem folclórico fora inventado baseado nas descaracterizações de conteúdo do século X, assim como as mulheres o foram na pele das bruxas… O romantismo do século XVII criou obras baseadas nessas distorções e os movimentos ocultistas e espiritualistas emprestaram do século XV o vampiro como termo de forma bem convincente em suas doutrinas, até chegarmos nas produções televisivas e cinematográficas dos séculos XX e XXI.
As ficções modernas inspiram-se em transformações inéditas de contexto romântico, mágico e policial que têm a sua força na pulsão de morte da psique humana.
Por essa razão, geram fascínio suficiente para atraírem um público incônscio cada vez maior, dando mais poder a esse arquétipo como anti-herói e adorável antagonista, simultaneamente, atendendo a uma necessidade coletiva (incentivada e reproduzida pela mídia) de entrar em contato com conteúdos cada vez mais sombrios. Isso acontece porque a nossa civilização não aprendeu a elaborar a morte como símbolo nem encará-la com naturalidade. Nós não temos educação para “a Grande Ela”.
Dessa forma, o tempo tarnsformou o upyr no senhor da noite e ele passou a ter a vida própria no imaginário popular, assumindo o arquétipo do puer, no aspecto daquele que mantém a sua juventude, seduz e erotiza as mulheres, somado à face do Barba Azul, o psicopata sedutor das donzelas ingênuas.
Por meio do sangue, fluido e símbolo da vida e das águas primordiais que remetem à criação, roubado à sedução ou à força dos seres vivos que sucumbem à fome da alma do vampiro, tanto em seu contexto líquido sanguíneo da Solutio Alquímica pela onda de afetamentos emocionais quanto em seu contexto ígneo da Calcinatio Alquímica, transformador, sexual e batismal o vampiro tornou-se um “não-morto ainda vivo” (Kohn, 2012) dentro da psique humana e, principalmente, um anti-herói moderno na psique das mulheres.
Os lapsos no tempo, tanto em matéria de documentação histórica quanto em termos de repressão psíquica, fizeram dele uma figura bastante atrativa, segundo a produção cultural de cada época, mas foi no Romantismo que o modelo católico fora adotado nos romances para criticar o contexto social e os tabus sexuais que vigoram até os nossos dias.
Ideias como crime, perversão, sedução, beleza, poder, riqueza, amores proibidos, rejeição, lascívia, libido e imortalidade foram investidas e deixadas na sombra da lucidez humana por longos anos, para que o vampiro tivesse hoje – irônica e cinematograficamente – “um lugar ao sol”, como na “Saga Crepúsculo” de Stephenie Meyer…
Hoje, o vampiro concentra e canaliza em si mesmo, como poder, figura e imagem, tudo o que há de indeterminação em nós quanto à distinção entre a vida e a morte.
Seu “saber vampirológico” transgride todas as regras da natureza e põe em xeque-mate a nossa noção de morteNem a projeção do desejo de imortalidade passou despercebida a Freud. Ele afirma que o inconsciente ignora
Seu “saber vampirológico” transgride todas as regras da natureza Nem a projeção do desejo de imortalidade passou despercebida a Freud. Ele afirma que o inconsciente ignora o tempo. Uma parte de nós ignora, portanto, a temporalidade, visando imortalidade e negando a morteo (Kohn, 2012).
O “retorno em corpo” ou a “assombração em corpo” do vampiro cinematográfico pode representar o retorno à fixação do desejo do inconsciente de ser imortal. O ego neurotiza a questão da mortalidade porque é finito. O inconsciente é coletivo e, de certa perspectiva, ele parece ser sempre eterno – e infinito.
Isso que é de nos defrontarmos com vampiros que ainda não conseguimos perceber: abre uma porta para uma ameaça permanente dentro da psique humana, dentro e fora de nós. A antiga promessa religiosa sobre a emancipação humana continua presente em nosso inconsciente, mas sofreu um exacerbamento evolutivo de contexto político: não se abandonou a barganha da esperança, ela anuncia-se por meio de um “novo deus”…
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REFERÊNCIAS
KOHN, Max. O vampiro, um não morto ainda vivo, disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200007> Acesso em: 19 out 2018.
CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Vampiro> Acesso em: 19 out 2018.
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