É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar. O YouTube trouxe-me um clipe aleatório, ao invés do gesto automático de rolar a tela com o dedo, fiquei. A voz de Chico Buarque. A imagem reflexiva do cantor, na capa do clipe, convidou-me à reflexão, à pausa. Escuto mais um verso da canção composta por Gilberto Gil:
“É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio,
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar”.
Verso intrigante. Interessante pensar que o que é vazio para um é cheio para outro. “Vazio daquilo que no ar do copo ocupa lugar”. A música e a foto me fazem pensar sobre emoções, suas denominações e avaliações. Há emoções que se legitimam socialmente, outras não. Não creio que o rosto do Chico esteja sombrio, mas sim introspectivo.
No entanto, hoje em dia, devido à ditadura da felicidade, qualquer emoção menos “alegre” é desqualificada, logo taxada de sombria, negativa. Não se fica mais na fossa, não se permite que o luto dure, não se pode refletir, meditar ou ter uma ação introspectiva que logo vem alguém dizendo ‘sai dessa’, ‘a vida segue’, ‘anime-se’.
Afinal, toda a gente quer ser alegre. Toda a gente quer ser feliz. Toda a gente quer superar. Ver o cheio ao invés do vazio. Ser positiva, otimista, toda a gente quer e, desse modo, emoções menos festivas são omitidas ou disfarçadas.
Agora, estou escutando a gravação do Gil. Dá vontade de convidar o prezado leitor a escutar a voz doce do baiano cantando: “Uma metade cheia, uma metade vazia”. É tanta delicadeza que até me faz envergonhar da crítica que acabei de fazer a toda gente que quer ser feliz, ser positiva.
Pensando bem, pode ser, sim, que eu tenha sido um pouco sombria, mal-humorada, a criticar toda gente que quer ser sempre e sempre alegre. É que não gosto muito de monoemoções, não me dou bem com o jogo do contente. Sabe, acho mesmo que a vida vale ser vivida e celebrada, mesmo quando há tristeza, dor, temor. Talvez, uma vida assim, sombria, deva ser ainda mais celebrada.
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Pois é fácil viver alegre com motivos para alegria, mas quero ver é viver alegre e continuar a viver em alegria, quando não se tem nada para alegrar-se. Aí, sim, é preciso coragem, aí, sim, é preciso força. Quando o copo está vazio, quando o rosto está pleno de dor, aí, sim, é preciso afirmar a vida e continuar a viver. Afinal, é sempre bom lembrar que “a dor ocupa metade da verdade, a verdadeira natureza interior”.