Educação nutricional é algo que deva ser focado e aplicado em crianças e no ambiente escolar?
R: Poderia responder essa simples pergunta de modo técnico e objetivo, mas prefiro reportar uma experiência vivida, que mudaria toda minha forma de pensar e aplicar nutrição.
Pois bem, era um dia normal, o hospital cheio e eu estava passando visitas, prescrevendo dietas de alta, lendo prontuários, me inteirando de novos casos…
Quando um médico se aproximou e pediu que eu fizesse uma orientação dietética a uma paciente dele, uma jovem senhora, que havia passado por uma amputação de membro inferior (cortou a perna do joelho para baixo), decorrência das complicações da diabetes.
Meu coração apertou… e não consegui mais estabelecer uma conexão equilibrada com meu cérebro.
Eu me perguntava mentalmente: “E agora o que vou falar para ela? Não faz sentido algum… nada que eu disser ou fizer vai reparar a dor que ela deve estar sentindo… ainda terei que passar uma listinha terrível e interminável de tudo que ela deverá evitar comer, quantas dores e perdas”.
Entrei no quarto, e me deparei com aquela senhora que ainda não tinha seus 60 anos, sentada numa cadeira, com a cabeça apoiada em um dos braços sobre a cama. Quando me viu entrando, cumprimentou e esboçou um triste sorriso. Meus olhos rapidamente percorreram o vazio onde um dia esteve uma perna, e parei nos olhos dela.
Puxei uma cadeira, e assentei ao seu lado.
Não sabia como começar aquela conversa, então algum anjo passou naquele momento e sugeriu que eu fizesse o seguinte: “Que tal motivá-la a contar sobre a história dela?
E assim eu fiz…
Fiquei por algum tempo absorta naquela história de vida, e percebi na fala simplória que faltaram muitas informações ao longo de sua vida. De como aquela doença crônica, ainda sem cura, pode ser devastadora quando sai cortando pernas e cegando.
Ouvi respeitosamente todas as suas dores, e perguntei se ela gostaria de entender sobre a diabetes e sua fisiopatologia. Ela respondeu que sim, mas percebi que sua resposta se dava por educação à minha paciência e gentileza em tê-la ouvido primeiro.
Assim eu fiz.
E no final ouviria aquilo que mudaria minha vida para sempre…
“Dra., nunca antes pude entender como hoje como essa doença acontece dentro do corpo da gente, e como ela poderia ter sido controlada, eu sou da roça e tenho poucos recursos (teve um breve silêncio). Eu daria tudo para voltar a ser criança e aprender tudo o que a sra. me ensinou agora, com certeza estaria com minhas duas pernas.”
Naquele dia, eu ainda não sabia o que faria.
Mas de algo eu tinha certeza, estava no lugar errado.
Foi desse ponto que a educadora alimentar surgiu, e depois, dia após dia, nasceria a Fada Lilly. Teve toda uma trajetória, mas não vem ao caso agora. O que importa é apenas o propósito. Eu tinha que fazer algo que fizesse sentido para mim.
Educar
Nutrir
Encantar
Essas três palavras se fundiram no meu âmago, e algo muito mágico aconteceu.
A cada dia ficava mais claro que era preciso levar informações a um grupo-alvo, que estaria sempre disponível ao aprendizado. Na sua maioria essas pessoas são possuidoras de uma curiosidade e imaginação inesgotável e também donas de uma capacidade incrível de compreensão. Na escola, é onde estariam agrupadas maciçamente, e no coletivo o ensinamento poderia ser mais divertido, leve e muito motivador. Levariam ainda aquilo
que foi compreendido adiante, e depois, com toda a certeza, repassariam às próximas gerações…
Sem contar que com mudanças sutis e não menos eficazes no comportamento alimentar ainda na infância poderiam garantir para si próprias uma vida adulta plena e produtiva.
Porém, infelizmente, hoje esse grupo está inserido em dados estatísticos que apontam uma triste realidade.
Estão obesas como nunca antes estiveram, portadoras de doenças crônicas que antes nem eram mencionadas na 1ª e 2ª infância (pré-diabéticos, hipertensos, dislipidêmicos, e até casos de osteoporose com 11 anos de idade. Pode isso?!)
Tudo por quê?
Tolhidas de gastar energia. Deveriam estar brincando, pulando, correndo, andando de bicicleta e recebendo a luz solar, se não fosse a falta de segurança pública. Então, passam boa parte do tempo em cima de sofás, em seus tablets, videogames e smartphones.
São o público-alvo da indústria alimentícia, que preocupa apenas em matar a fome enchendo barriguinhas com muitas calorias vazias.
E seus pais? Esses estão trabalhando… para que não falte nada a elas…
Pais que com toda a certeza são de outros tempos…
Existia muitos casos de desnutrição no Brasil, 3 ou 4 décadas atrás, e ser “gordinho” soava quase como um elogio, vindo das tias-avós. Ainda tiveram o privilégio de brincarem livremente na rua, quando retornavam da escola. Naqueles tempos, ter mesa farta era um luxo…
E era luxo mesmo, porque quase todos os alimentos eram naturais de fato, e não fake food (inventei esse termo agora, e gostei dele).
Comida de mentira, que nada nutre. Que vem em pacotinhos bonitinhos ou que traz brinquedinhos e coisinhas assim…
Que atrai a atenção, mas não corresponde à expectativa primordial, que é oferecer elementos necessários para que um organismo possa crescer e desenvolver sadio, de fato.
Hoje, sou basicamente a “garota-propaganda” do Papai do Céu e/ou da Mãe Natureza. Afinal, alguém tem que defender os alimentos in natura, contar sobre suas mágicas e verdadeiras propriedades nutricionais, que geram saúde, crescimento, força, rapidez, inteligência, beleza, entre outros atributos.
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Posso afirmar com toda a certeza que vivo no paraíso planetário do mundo da nutrição, sendo fada nutricionista.
E que lugar de aplicar educação nutricional é na carteira da escola e nunca na cama de um hospital.
Desejo que isso faça sentido a você, como fez para mim…
Acho que finalmente consegui responder à pergunta inicial.
Qual é a próxima pergunta!? (Rsrs)
Fada Lilly, educadora alimentar e nutricionista – antiga dra. Lilian Custodio.