Assuntos relacionados ao vegetarianismo têm se tornado cada vez mais comuns na sociedade. É perceptível ver o aumento de restaurantes vegetarianos, eventos relacionados à comida mais orgânica, etc. Até mesmo em sua roda de amigos, quantos já não se tornaram vegetarianos?
Mas tal decisão precisa ser feita com cautela e, principalmente, com o coração. Para inteirar os moradores da região de Curitiba (PR), a jornalista Flávia Schiochet criou em 2013 o blog Verdura sem Frescura. Nele, ela coloca informações de eventos sobre vegetarianismo, receitas, entrevistas, entre outros assuntos. A equipe do Eu sem Fronteiras conversou com a Flávia a respeito da criação e como tem sido o envolvimento dela com o blog. Confira a entrevista:
Eu sem Fronteiras – Me fale um pouco de você, o que faz, onde mora:
Verdura sem Frescura – Sou jornalista, natural de Santa Catarina e moro em Curitiba há quatro anos. Há três anos, cubro gastronomia como repórter da revista Bom Gourmet, da Gazeta do Povo. No momento, eu divido meu tempo entre a redação, um mestrado e uns projetos paralelos, como o meu blog Tô Puta e Vou Cozinhar (que anda meio parado, coitado) e um podcast também sobre vegetarianismo, Ouvindo Abobrinhas (em fase de remodelamento). Meu namorado, Carlos Felipe Urquizar Rojas, é minha dupla criativa. Ele eventualmente fotografa para os blogs e toca a maior parte do podcast, especialmente a técnica e marcando com as pessoas.
Eu sem Fronteiras – Como surgiu a ideia criar o blog Verdura sem Frescura?
Verdura sem Frescura – Quando me mudei para Curitiba, em 2012, morei por dois meses com um vegetariano. Eu sempre me interessei pelo assunto, mas não ia muito a fundo. E por causa dele conheci um monte de gente bacana, que arregaçavam as mangas e faziam muita coisa acontecer: eventos independentes, novos negócios, compartilhar receitas, outra relação de grupo. Além disso, meu namorado estava em transição do vegetarianismo para o veganismo, e eu ainda em cima do muro. Comecei a me relacionar com a cidade a partir desses eventos e lugares com opções vegetarianas e vi que havia muita coisa acontecendo e não havia um espaço em que isto estava sendo divulgado e acompanhado. Como jornalista, achei que o tratamento a alguns assuntos deveria ser menos post de Facebook e mais redação de notícia, mesmo que de um jeito mais informal, que é o tom que adoto no blog. Em junho de 2013, fui efetivada como repórter na Gazeta do Povo e notei que para acompanhar a cena de eventos vegetarianos em Curitiba (especialmente culinária, que é um interesse antigo meu) eu não tinha um site específico para ir e tinha que fuçar muitos grupos de Facebook e a informação acaba ficando difusa. Então propus um projeto de blog à direção do jornal para a cessão do espaço dentro do portal Gazeta do Povo e eles aceitaram.
Eu sem Fronteiras – Há quanto tempo o blog existe?
Verdura sem Frescura – O primeiro post foi ao ar no dia 18 de setembro de 2013, mas passei uns bons quatro meses desenhando a ideia.
Eu sem Fronteiras – Qual é o seu objetivo com o blog?
Verdura sem Frescura – Meu foco é estritamente a alimentação porque não dá para abraçar o mundo e falar de todos os assuntos que tocam o vegetarianismo, ainda que eu tenha fugido um pouco da cozinha para falar de vitamina B12, por exemplo. O nome do blog é justamente para mostrar que não é para torcer o nariz ao falar de comida vegetariana, nem sempre é um negócio insípido de proteína de soja ou uma salada sem graça. Chamam a gente de “frescos” por não comer carne, mas ninguém fala o mesmo daquele primo que come bife e arroz branco em todas as refeições, né?
Eu sem Fronteiras – É crescente a procura das pessoas por alimentos mais naturais, feiras e restaurantes que ofertam comida vegetariana. Como você vê essa tendência?
Verdura sem Frescura – Por ser jornalista, já fiz perguntas similares a algumas pessoas mais entendidas do que eu sobre o assunto (risos). A resposta sempre é que essa tendência é irreversível. Ela pode perder força e as pessoas acharem que “a moda passou”, mas é difícil que alguém que se interesse por ter uma alimentação mais consciente, seja ela com ou sem carne, vá voltar a comer algo com o qual ela não concorda. Digo isto sobre onívoros também, porque acredito que estar interessado na origem do seu alimento não é algo exclusivo do vegetariano – muitos, aliás, esquecem o conceito de “comida” e focam em retirar ingredientes de origem animal, colocando no lugar coisas “comestíveis”. Esta diferenciação é do livro ‘Em Defesa da Comida’, do jornalista Michael Pollan, uma pessoa que admiro muito. Essa troca do bife pela proteína de soja, por exemplo, eu considero um tiro no pé. As pessoas têm se interessado mais pela origem dos alimentos e a internet tem facilitado tanto esse acesso à informação que por mais que se “fuja” dela, a informação acaba aparecendo na sua tela em algum momento.
Nós, como consumidores, também precisamos ter responsabilidade ao escolher que tipo de empresa ou pessoa vamos apoiar com nossas escolhas e hábitos. E quem vende “comida de mentira” também deveria ser penalizado pela nossa decisão e hábitos de consumo. Muita gente não vai concordar comigo, mas essas intersecções são importantes para mim. O interesse pela indústria do alimento veio antes do vegetarianismo, por isto gosto de focar em cozinha vegetariana o mais natural possível. No entanto, não ignoro lançamentos de produtos vegetarianos estritos da indústria alimentícia, porque sei que boa parte do público consome este tipo de produto esporadicamente e também há muitos leitores em transição, que precisam de um substituto para queijo ou para a salsicha do cachorro-quente. Não se pode ignorar isto também. É uma fase.
Eu sem Fronteiras – Como tem sido mostrar através do blog os eventos vegetarianos para as pessoas de Curitiba e região?
Verdura sem Frescura – É muito gratificante receber o retorno das pessoas que acompanham e que me ajudam a manter o blog. Sem leitores nós, jornalistas, não somos nada, e sem o auxílio de quem nos lê e acompanha o mesmo assunto, muitas coisas podem passar despercebidas. Eu não consigo ir a muitos eventos porque a maioria é no fim de semana e costumo ter bastante coisa para resolver nesses dias (ou às vezes só quero descansar em casa mesmo, cansa estar na rua o tempo todo), mas sempre que eu posso, vou.
Em 2015, comecei a dar workshops e esse contato pessoal com muita gente que antes era apenas um avatar é a melhor parte. Há tanta troca e aprendizado. Espero poder conhecer mais gente ao vivo, o retorno é muito mais interessante! Às vezes, a gente não sabe bem o que as pessoas procuram, se é notícia de eventos, se são receitas, dicas para o dia a dia. E em um desses eventos, em que eu estava fazendo um docinho vegano com leite vegetal, notei que todo mundo estava interessado no básico, em como fiz o leite para ficar daquele jeito. Isso é algo que jamais vai pintar como comentário no blog. As pessoas interagem mais ao vivo e têm mais dúvidas, é mais fácil de ajudar.
Eu sem Fronteiras – Muitas pessoas te escrevem agradecendo e passando ideias de eventos?
Verdura sem Frescura – Menos do que eu gostaria (gosto de conversar!), mas geralmente as que colaboram são fiéis. Sempre aparecem para dar um toque, corrigir alguma informação, essas coisas. Mas o trabalho de juntar os eventos é meu mesmo, bem braçal. Todo fim de mês vasculho a internet (especialmente o Facebook, que é onde a divulgação massiva tem sido feita) para ver o que vem por aí, mas muita gente organiza eventos de uma semana para outra e eu acabo não sabendo. Às vezes, é frustrante (risos).
Eu sem Fronteiras – Você é vegetariana? Se sim, há quanto tempo?
Verdura sem Frescura – Sim, desde 2013. Foi um flerte muito antigo, eu sempre ia e voltava, mas nunca tinha me declarado como vegetariana também, porque apesar de saber como funcionava a indústria, eu gostava muito de comer certas coisas e tentava “não pensar nisso”.
Eu sem Fronteiras – Deixe uma mensagem para quem tem muita vontade de se tornar vegetariano, mas encontra dificuldade para colocar tal ideia em prática:
Verdura sem Frescura – Espero não causar celeuma com a mensagem. Serei sincera: vá com calma. Para os meus amigos que me escrevem pedindo conselho, eu sempre digo: corte tudo o que puder, menos o que tem memória afetiva. Por exemplo: a carne de panela da minha avó foi a última coisa que deixei de comer. Eu sei que tem gente que consegue virar vegetariano de um dia para o outro, mas não é tão simples mudar hábitos.
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Entrevista realizada por Angelica Weise da Equipe Eu Sem Fronteiras.