Autoconhecimento

Entrevista com Monja Coen – Parte II

Escrito por Eu Sem Fronteiras

Depois do sucesso em nosso site do material de pílulas do MOVA conseguimos uma entrevista muito especial com a Monja Coen, um dos principais nomes do budismo brasileiro.

Coen é e uma das líderes espirituais mais famosas do Brasil. Ela é professora, palestrante e autora de mais de dez livros. A monja fez seus votos monásticos no Centro Zen Budista de Los Angeles nos Estados Unidos em 1983.

Dede então, ela se dedicou a intensos anos de estudo e treinamento. No ano de 2001, decidiu abandonar o Templo Busshinji e iniciou um pequeno grupo de Zazen, uma prática meditativa de observação, na residência de um de seus seguidores.

Em pouco tempo o espaço da residência ficou pequeno para a quantidade de praticantes e foi fundada a Comunidade Zen Budista Zendo Brasil. Coen é a representante oficial do Brasil da ordem budista Ordem Soto Shu.

Na primeira parte da entrevista aprendemos sobre as dificuldades do caminho do autoconhecimento, a importância da motivação e que não há um momento certo para começar. Confira a segunda-parte da nossa entrevista:

ESF: Há uma frase sua que diz que “a compaixão não é visceral, que é uma coisa que vai sendo desenvolvida” e nesses últimos tempos, com essas coisas de eleição, a gente viu bastante disso, né? As pessoas contrariadas se tornam mais agressivas e eu acho que é um tema interessante, você pode falar mais sobre essa questão dos relacionamentos pacíficos e dependente do outro ter a mesma opinião que você ou não.
Mulher sentada pensando

O ódio abala também quem o pratica

Monja Coen: Pois é, essa frase originalmente é do dalai lama, que a verdadeira compaixão não é visceral, mas ela surge naturalmente, e você vê alguém maltratando uma criança, um idoso ou uma pessoa qualquer, qualquer forma de abuso, físico ou mental, ela causa abalo em você.

Você não vai pensar “ah, que bonitinho, vou caminhando e tudo passa”, não. Preciso fazer alguma coisa a respeito, mas você não pode ter ódio, tanto a vítima quanto o vitimador precisam ser acolhidos na compaixão e isso é treino, isso é treinamento.

Treinamento de compreender, treinamento de saber que existem pessoas que pensam diferente de você, que veem a realidade de forma diferença. Que experiências teriam passado para se manifestarem dessa forma?

Menina olha para o horizonte.

A mudança tem que ser também interna

Como que muitas vezes tem pessoas que tem pensamentos conturbados quanto a realidade e não veem com clareza a realidade, e nós temos mais é que ajudar eles, e não atacar eles, como fazer com que todos os seres despertem, acho que essa é a melhor coisa a fazer.

Não precisa ser igual, você pode criar condições e se treinar, percebendo quando você fica com raiva e fala uma palavra mais dura, não só pedindo desculpas, mas fazendo um arrependimento interno e se vigiar mais.

Eu estou fazendo coisas que eu não concordo, se eu faço parte de uma cultura de classe, como eu estou tendo pensamentos tão agressivos em relação a outras pessoas? Como eu não estou sendo capaz de compreender um ponto de vista que é diferente do meu?

Um amigo meu diz que você pode saber se sua prática é verdadeira e boa, se seus relacionamentos estiverem em harmonia. Se houver desarmonias, como brigas, é porque você não está praticando direito. A prática verdadeira leva você ao estado de plenitude, de alegria, de bem-estar, de contentamento com a existência, de contemplação de todos os seres.

Eu tenho um exemplo muito bom: a minha superiora, na época da guerra, era jovenzinha e, quando elas passavam nas casas recolhendo comida, chegou na casa de um homem que não tinha nada, que estava vivendo na miséria e ele jogou, lá de cima, um balde de água suja, e as outras monjas ficaram bravas, e ela disse: “não, vamos agradecer ele, fazer a prece da gratidão, porque isso é tudo que ele tinha para dar”, a sua raiva, a sua tristeza, a sua insatisfação.

Então, será que nós somos capazes de compreender quando alguém agressivo, rude conosco e isso é tudo que essa pessoa tem para dar?

Mulher puxa a mão de um homem que tenta subir uma montanha.

Como podemos mudar aquela realidade?

Mas não paramos aí. Como podemos facilitar para que esse ser humano tenha mais coisas a dar? Que ele possa crescer, se desenvolver, que possa ter um olhar mais amplo para a humanidade, que possa passar prosperidade?

Nós temos leis para isso, nós só temos que pôr em prática as leis que já existem, contra discriminação, o preconceito, o abuso de qualquer forma sexual e moral. Resta só saber como fazer que elas estejam em prática, sem que você nutra uma raiva daquilo que se manifestou desta forma. Pois, se ela se manifestou assim, isso ela tudo que ela tinha a dar.

Dificuldade de relacionamento com os familiares: até que ponto a gente interfere? Deixamos as pessoas seguirem seus caminhos, ou usamos nosso maior entendimento para orientá-los? Quando você acha que você tem um pouco mais de entendimento, você se separou do outro.

Duas mulheres se abraçam em uma lanchonete.

Quando você se separa do outro, você o perde

E se você se separou do outro, você não é capaz de ajudar ninguém. Se você se achar melhor que outro ou que você sabe mais que o outro, ou é mais controlado que o outro, você criou uma separação e uma barreira.

A compaixão é você ser o outro, identificar-se com o outro e ao mesmo tempo nessa identificação, você leva pensamentos e palavras que modificam a realidade.

Não é apenas aceitar o que é como é, não é pacifismo, é se tornar um ser de paz. O seu coração está em paz, você não está julgando ninguém, você não está querendo que o outro seja melhor do que ele é.

Você o aceita como ele é, e acolhendo a pessoa como ela é, você já está sendo um elemento de transformação. Isso não significa que você não vai falar, claro que você vai falar, tudo que você pensa, com carinho, com respeito.

A dificuldade é uma oportunidade crescimento

Não é com raiva, com briga, não é ofendendo o outro. Não é dizendo “você é incapaz”, “você não está vendo”, “eu sei mais que você”, “Eu pratico coisas que você não pratica”. Isso aí é o fim de qualquer relacionamento, isso é agressão. É exatamente o oposto, essa pessoa que está em frente mim, é o meu mestre, ele me mostra como eu preciso da estabilidade, e como dar a estabilidade a ela.

Você tem dificuldade com seu filho? Que maravilha! Ele é seu mestre, por que você não está conseguindo um bom relacionamento com ele? Por que não é capaz de falar de modo que ele ouça você? Isso não é ficar quieto, imagine ficar quieto em um lugar olhando algo acontecer, você se manifesta para o outro, mas a sua manifestação não é agressiva.

Porque, no momento em que você não se achar melhor que o outro, que está em um plano melhor que o outro, você acabou de perder, o plano que você poderia ter avançado, você escorregou imediatamente no momento em que você se achou diferente que alguém.

Mulher meditando em uma praia com as mãos para cima.

Procure o seu estado de equilíbrio

ESF: Além da prática da meditação, tem alguma outra atitude que você acha importante?

Monja Coen: Existe uma chave de outro que chama respiração consciente, quando você respira conscientemente, você vai perceber quero todo seu processo respiratório, está diretamente ligado com seu emocional. Na hora que você sai do seu estado de equilíbrio, se você voltar a respirar profundo e suavemente você encontra esse estado.

É importante que você alimente a sua mente com livros, histórias, filmes, conversas que estimulam você a alimentar esse conhecimento, a esta prática que estimulam você a esse conhecimento a essa prática de tornar a sua vida em uma obra de arte filosófica. Uma obra de arte de paixão e sabedoria.

Isso você vai construindo a partir das suas escolhas, escolhas de canais que você vê, de pessoas que você segue, de livros que lê e de práticas que desenvolve. Não é apenas a prática de meditação que é importante, é importante que a meditação seja feita com professores e em grupo.

Grupo de amigos se abraça.

Procure quem pensa como você

Às vezes, nós temos que fazer sozinhos, não é preferência fazer sozinho, é ao contrário, a preferência é estar em uma sanga, em uma comunidade, em que nós estimulamos mutuamente, nós somos frágeis sozinhos.

Nós encontramos parceiros e parceiras, pessoas que pensam como nós, que têm práticas semelhantes às nossas, é bom que nós encontremos dias da semana, e que possamos nos encontrar, possamos sentar juntos, ler textos juntos, nos aprofundar juntos nesse caminho.

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Para, depois que onde quer que a gente vá, sejamos um elemento de transformação da sociedade, a transformação através da não violência ativa, através da percepção clara do que está acontecendo, de atitudes, de palavras de pessoas de pensamento que transformam a realidade pela ternura, pela sabedoria, pela compaixão.


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